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sábado, 3 de julho de 2021

 


16.7 Desigualdade das riquezas

 

            A desigualdade das riquezas é um dos problemas que em vão se procura resolver, quando se considera apenas a vida atual. A primeira questão que se apresenta é a seguinte: Por que nem todos os homens não são igualmente ricos? Por uma razão muito simples: é que eles não são igualmente inteligentes, ativos e laboriosos para adquirir, nem sóbrios e previdentes para conservar.

            Esse é um ponto matematicamente demonstrado, que a fortuna igualmente repartida daria a cada um uma parte mínima e insuficiente; que, se supondo feita essa repartição, o equilíbrio seria rompido em pouco tempo pela diversidade dos caracteres e das aptidões; que supondo-a possível e durável, cada um tendo somente o necessário para viver, isso equivaleria ao aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e o bem-estar da humanidade; que se admitindo que ela desse a cada um o necessário, desapareceria o estímulo que impulsiona os homens às grandes descobertas e aos empreendimentos úteis. Se Deus a concentra em certos pontos, é para que daí ela se expanda, em quantidades suficientes, segundo as necessidades.

            Admitindo-se isso, pergunta-se por que Deus a concede a pessoas incapazes de fazê-la frutificar para o bem de todos. Essa é novamente uma prova da sabedoria e da bondade de Deus. Ao dar ao homem o livre-arbítrio, quis que ele chegasse, pela sua própria experiência, a discernir entre o bem e o mal, e que a prática do bem fosse o resultado dos seus esforços e da sua própria vontade. O homem não deve ser fatalmente levado nem ao bem, nem ao mal, caso contrário, seria apenas um instrumento passivo e irresponsável como os animais. A fortuna é um meio de prová-lo moralmente; mas como, ao mesmo tempo, é um poderoso meio de ação para o progresso, Deus não quer que permaneça longo tempo improdutiva, por isso é que a transfere incessantemente.

            Cada um deve possuí-la, para se exercitar e provar o uso que lhe sabe dar; mas como há a impossibilidade material de que todos a possuam ao mesmo tempo, e além disso, se todos a possuíssem, ninguém trabalharia, e o melhoramento do globo sofreria com isso, cada qual a possui por sua vez.

            Assim, o que hoje não a tem, já a teve no passado ou a terá numa outra existência, e o que hoje a possui poderá não mais possuí-la amanhã. Há ricos e pobres porque, Deus sendo justo, cada qual deve trabalhar por sua vez. A pobreza é para uns a prova da paciência e da resignação; a riqueza é para outros a prova da caridade e da abnegação.

            Lamenta-se, com razão,  o péssimo uso que algumas pessoas fazem da sua fortuna, as ignóbeis paixões que a cobiça desperta, e pergunta-se se Deus é justo, ao dar a riqueza a tais pessoas. É certo que se o homem só tivesse uma existência, nada justificaria semelhante repartição dos bens terrenos; mas, se em vez de levarmos em conta nossa vida atual, considerarmos o conjunto das existências, vê-se que tudo se equilibra com justiça.

            O pobre não tem, portanto, motivo para acusar a Providência, nem para invejar os ricos, e os ricos não têm razão para se vangloriar do que possuem. Se estes abusam da fortuna, não será através de decretos, nem de leis suntuárias [leis que restringem gastos extravagantes ou absurdos] que se poderá remediar o mal. As leis podem mudar momentaneamente o exterior, mas não podem modificar o coração. É por isso que têm duração temporária e provocam quase sempre uma reação mais frenética. A fonte do mal é o egoísmo e o orgulho. Todos os abusos cessarão, quando os homens se regerem pela lei da caridade.

 

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