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quinta-feira, 8 de julho de 2021

 

Princípios de uma nova ética (resenha)

Princípios de uma nova ética (resenha)

por Alexsandro M. Medeiros

lattes.cnpq.br/6947356140810110

postado em set. 2016

atualizado em out. 2020

 

            A ética de Pietro Ubaldi deve ser compreendida à luz de um sistema mais amplo de ideias que, conforme o próprio autor orienta, está contida em obras como: A Grande Síntese, Deus e Universo, O Sistema Queda e Salvação. O pensamento de Ubaldi está contido em uma série de 24 volumes, das quais estas quatro oferecem um sistema científico-filosófico-ético-teológico completo e as demais obras, como Princípios de uma nova ética, explica os pormenores e amplia aspectos particulares. Por isso, alguns conceitos do pensamento ubaldiano devem ser levados em consideração para se compreende melhor o tema do qual aqui nos propomos destacar. Dentre estes conceitos, é necessário ter em mente que a ética ubaldiana é uma ética profundamente espiritualista e reencarnacionista, que toma como princípio fundante a existência de Deus, do espírito, e a ideia de que este mesmo espírito evolui através de vidas sucessivas cujo principal propósito é aperfeiçoar-se sempre mais e melhor, seja do ponto de vista gnosiológico, seja do ponto de vista moral. A teoria da reencarnação explica os aspectos da personalidade humana e do biótipo terrestre, abordados entre os capítulos IV e V, e serve de base para a teoria evolucionista segundo a qual a perfeição deve ser atingida pelo espírito e envolve aspectos filosóficos, científicos, religiosos e práticos, de uma moral que tem na moral do Evangelho do Cristo, sua expressão mais profunda e sublime.

            Por isso o capítulo I é dedicado à existência de Deus e as consequências que a visão que se tem da divindade tem para a ética. Não se trata tanto de provar sua existência, pois a mesma já foi realizada nas obras anteriores que compõem as bases da filosofia ubaldiana. O materialismo ateu nega a existência de Deus mas essa negação representa apenas a negação daquilo que o homem, num dado momento histórico, pensa que seja a representação de Deus. Mas existe um Deus em Si mesmo, absoluto, acima de toda e qualquer representação e compreensão humana, que não pode ser negado. Neste capítulo Ubaldi analisa, portanto, a ideia de Deus concebida pelo homem no seu relativo, a imagem antropomórfica que é feita de Deus e, por isso mesmo, criticada e negada; e a ideia de Deus em si mesmo que nos foge completamente porque está além da nossa compreensão.

Assim, na economia da vida, o materialismo ateu não foi um meio para chegar à negação de Deus, mas só para destruir a velha ideia que Dele o homem fazia nas religiões, e com isso atingir outra nova, mais evoluída, completa, convincente. Tal processo se está ainda realizando. De fato, a nova ciência destruiu a concepção materialista da matéria, que desintegrou, desmaterializando-a em energia. Hoje está acontecendo isto: a ciência está constrangida pe­los fatos, que não pode negar, a abstrair-se cada vez mais da ma­terialidade sensória para chegar a entender a matéria como uma rea­lidade imaterial, e a explicar a substância das coisas com um concei­to que cada vez mais se aproxima e tende a coincidir com aquele imponderável inteligente, que no passado foi chamado espírito (1988, p. 4).

            O conceito que as religiões podem nos oferecer de Deus e, portanto, a ética dele decorrente, corresponde ao grau de amadurecimento evolutivo da humanidade. Chegou, portanto, a hora de compreender uma moral mais condizente com a realidade do espírito, cujas bases, de tempos em tempos, foi revelada pelos grandes missionários e gênios da nossa história. Sendo o biótipo predominante na Terra o de tipo involuído, ele não pode compreender um conceito mais adiantado que esteja além da sua forma mental. Evoluído, ele pode agora compreender novas ideias, chegar a um nível mais alto de compreensão e entender que existe uma moral de base egoísta, em certos pontos arbitrária e baseada no princípio da força, mas que existe uma outra, de base altruísta e baseada no princípio da Lei e da Ordem. Com efeito, a Lei representa um princípio de ordem inviolável, porque representa o pensamento do próprio Deus e a Sua vontade.

            A questão antropomórfica de Deus também é discutida na obra Queda e Salvação, no capítulo que tem como tema exatamente Princípios de uma nova ética. Onde Ubaldi já havia afirmado como o homem criou para si uma ideia de Deus relativa ao seu estado mental e a única que ele poderia compreender.

O homem acabou criando para si um Deus à sua imagem e semelhança, conforme a sua forma mental e instintos. Tudo isto foi trabalho despercebido, fruto de instintos, feito sem querer, nem saber, sem má fé, trabalho realizado no passado [...] trabalho profundo do subconsciente das massas, do qual as próprias Igrejas fazem parte, porque elas no seu conjunto não podem ser constituídas por biótipos diferentes do comum (UBALDI, 1984, p. 112).

            Ninguém pode conceber algo que esteja além do limite da sua forma mental. Por isso não pode compreender um Deus que esteja completamente acima da sua psicologia. A única concepção que ele pode ter nos níveis inferiores de evolução é a de um Deus que se faz respeitar pelo medo do castigo em um inferno além deste mundo. Mas basta que sua inteligência comece a se desenvolver e algumas ideias lhe parecem absurdas. Deus não pode ser um chefe tirano “morando nos céus qual soberano no meio da Sua corte, olhando de longe para o nosso inferno selvagem só para receber na Sua glória egoísta as nossas humildes homenagens” (UBALDI, 1984, p. 114).

            Na ética ubaldiana a dor representa um papel importante. Ela tem a função de ensinar a conhecer a Lei e a não mais errar, já que a dor é a consequência imediata da transgressão à Lei divina. Pela dor, o espírito humano vai aprendendo cada vez mais que cada ação sua tem uma consequência imediata, dolorosa quando essa ação vai de encontro à Lei divina. Evoluindo, homens e mulheres saberão libertar-se desse ciclo doloroso, pois se a Lei é justa, ela também trabalha para o progresso, impulsionando-os a evoluir e atingir sempre um nível mais elevado de amadurecimento espiritual. Evoluindo, aprendemos que existem leis na vida que não podemos enganar. Que cada ato desonesto ou injusto terá uma reação que a princípio pode parecer desonesta ou injusta, sendo que nada mais é do que a Lei procurando encontrar o equilíbrio. Não se rompe o equilíbrio das Leis divinas sem sofrer suas consequências, assim como cada ato honesto e justo trará consigo como reação uma compensação, uma vez que ao cumprir o seu dever de obediência à Lei cada indivíduo recebe, por direito, uma resposta do impulso criador da vida que sustenta o homem honesto, tal como foi dito na máxima: bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça, pois serão saciados.

            Há, portanto, duas éticas diferentes, em consonância com dois tipos mentais diferentes do espírito humano: uma ética dos involuídos (psicologia egocêntrica individualista que se baseia na desconfiança e na luta) e outra, dos evoluídos (psicologia altruísta orgânica, que se baseia na colaboração). O evoluído exige virtude antes de tudo, de si mesmo, exige honestidade antes de tudo em si mesmo (O livro A Nova Civilização do Terceiro Milênio dedica um capítulo inteiro ao que Ubaldi (1982, p. 79-93) chama de A Lei da Honestidade e do Mérito), para benefício dos outros e se pede que pratiquem a honestidade é porque ele mesmo a pratica. O involuído exige virtude, antes de tudo, nos outros, porque a sua lógica mental é diversa do primeiro, e procura a honestidade nos outros, para melhor explorá-los em seu proveito e se pede que pratiquem a honestidade, ele mesmo não a pratica, para proveito próprio.

            No nível dos involuídos, a regra é que os bons devem ser explorados, a bondade é uma forma de fraqueza, a força e a astúcia são reverenciadas com glória. Mas perante as Leis divinas “é loucura querer ser astuto, porque não há escapatórias. Quem faz o mal tem de pagá-lo à sua custa, não importando se é crente ou não. A nossa opinião, a nossa fé religiosa ou filosófica, não pode fazer mudar as leis da vida” (1988, p. 8). Se a injustiça e a desonestidade imperam neste mundo é porque os honestos ainda são poucos e não possuem, e nem desejam possuir, as qualidades de agressividade necessária para lutar no terreno dos involuídos. Quem procura agir de acordo com a Lei divina foge da luta, pois sabe que qualquer forma de violência receberá como consequência uma reação violenta, o que implica respeitar a forma de ação dos involuídos, pois quando não há um meio para tirar a cegueira aos cegos, é necessário deixá-los agir da forma como melhor lhes parecer conveniente. E nos casos em que esta ação pretende romper com a harmonia das Leis da vida, a dor surge como aprendizado, inexoravelmente.

            O nível dos evoluídos é orientado por uma psicologia diferente o que implica uma ética e uma forma de agir diferente. Quanto mais se evolui, mais se aprende que existe um Deus imanente em nosso universo e que através dessa imanência existimos mergulhados e fundidos nEle, que tudo sustenta e tudo anima. “Trata-se de um Deus do qual ninguém pode sair, ao qual nada se pode esconder, um Deus vivo, ao nosso lado a toda hora, com a Sua inteligência e atividade” (1988, p. 13). Por isso não há mais lógica no egocentrismo. A rebeldia é uma atitude ingênua e infantil. Tornamo-nos conscientes dos princípios que regem o funcionamento orgânico do universo, compreendemos a lógica do plano divino que tudo dirige e só há um caminho a seguir. “Profundamente convencido disto, ele julga loucura o espírito de revolta do homem atual, e espontaneamente se coloca na ordem pa­ra obedecer à sabedoria da Lei” (1988, p. 13). Neste nível domina o princípio da justiça, da ordem, do equilíbrio, de reciprocidade de direitos e deveres, da obediência à Lei divina. Obediência que não é adesão cega a uma ordem que não se compreende. Quanto mais o espírito evolui, mais compreende, e sente, que há mais vantagem em obedecer do que desobedecer a Lei divina: fundir a sua vontade com a vontade soberana de Deus, em um impulso inimaginável de amor, sabedoria e paz. Deus só quer o bem de seus filhos e, por isso, não há maior desejo ou satisfação do que fazer a vontade do Pai, porque a vontade do Pai é aquela que o filho mais deseja, ou seja, a nossa felicidade.

A diferença entre os dois níveis é esta: que nos planos inferiores prevalece o antagonismo que divide os seres entre si e contra Deus, de modo que a obediência é uma opressão antivital, enquanto nos planos superiores tudo isto desaparece numa unidade que funde os seres entre si e com Deus, numa só vontade dirigida para a mesma finalidade de bem, o que transforma a obe­diência em elemento vital (1988, p. 15).

           O capítulo II dá sequência a esta discussão aprofundando a dualidade que existe do ponto de vista da ética e abordando o que Ubaldi chama de Evolução da Ética.

            A Ética é um tema fundamental na estrutura do pensamento ubaldiano pois ela representa a norma que deve dirigir nossas ações em torno da evolução, ensinando-nos o caminho a ser percorrido. São as regras morais, mais do que o conhecimento científico ou filosófico, que levam os indivíduos a aproximar-se cada vez mais do estado de perfeição que é o destino de todos. A Ética representa uma expressão direta da Lei. Mas, se assim o é, porque encontramos éticas relativas e tão distintas umas das outras? Por que não há uma única norma ou regra moral que possibilite homens e mulheres a evoluírem sem se desvirtuarem do caminho a ser seguido? A resposta de Ubaldi é que a ética é relativa, progressiva e proporcional ao estado de adiantamento do espírito e ao conhecimento da Lei por ele atingido. A cada nível evolutivo corresponde uma ética relativa que se transforma assim que o indivíduo sobe a um nível de evolução mais adiantado. É por isso que a ética dos antigos se fundamenta na lei de talião: olho por olho, dente por dente. Ao passo que a ética cristã se fundamenta no amor: o amor a Deus acima de todas as coisas e o amor ao próximo como a si mesmo. E estas duas éticas coexistem porque a humanidade vive uma fase de transição evolutiva, onde seres involuídos e evoluídos se misturam na trama da vida e fazendo coexistir a velha e a nova ética.

            Para entender em maiores detalhes o porquê deste fenômeno, a coexistência de duas éticas, é preciso ter uma clareza maior da obra O Sistema e também a obra Queda e Salvação, do mesmo autor, pois a ética aqui é tomada como referência ao Sistema e o Anti-Sistema: grosso modo, o primeiro representa a realidade do espírito e o segundo representa a realidade material. Ao longo de toda a obra em análise, Ubaldi faz referência a estes dois momentos do processo evolutivo: o período de descida (queda) do espírito na matéria e o momento de subida (evolução) do espírito que se liberta da matéria, do Anti-Sistema. A ética do involuído, do Anti-Sistema, representa desordem. A ética do evoluído, do Sistema, representa a ordem e é vista pelo involuído como uma utopia (de fato a ética do evoluído está além da realidade que os involuídos conhecem e que acreditam representar toda a realidade). Através da evolução o ser deve realizar uma conquista: descobrir, através do esforço, uma ética cada vez mais adiantada e mais próxima da verdade que contém a felicidade e será encontrada no Sistema; libertar-se da dor e do sofrimento do Anti-Sistema, lançado em um mundo de forças negativas e inimigas, percorrendo o caminho oposto em direção ao Sistema. Enfim: “a ética representa o guia que nos ori­enta e dirige no caminho da evolução, o que nos leva para a salva­ção e a felicidade. Eis o significado da ética” (1988, p. 18-19). O ponto de referência da Ética é a Lei de Deus: tudo o que estiver de acordo com Sua Lei é bom, moral e lícito; tudo o que a contrarie é mau, imoral e ilícito. A dualidade entre o moral e o imoral, no fundo, está enraizada na dualidade entre Sistema e Anti-Sistema, de Lei e anti-Lei. E aqui Ubaldi faz uma distinção entre ética e moral: a moral diz respeito à ética do evoluído; a ética do involuído é imoral, que se afasta da moral e a nega. Quanto mais a ética é evoluída, mais ela se afasta das qualidades do Anti-Sistema, do imoral. A ética depende da forma mental do indivíduo que possui uma ética diferente, de acordo com o plano de evolução ao qual ele pertence.

Então, como em nosso mundo o nível biológico oscila do plano do involuído ao do evoluído, assim a ética relativa vai de um extre­mo de tipo involuído a outro de tipo evoluído. Ela vai da fera ao santo, do nível do subdesenvolvido, selvagem, feroz, ao nível do super-homem, civilizado, evangélico.  A maioria se equilibra no meio destes dois extremos, com uma moral ambígua, que pretende ser do segundo tipo, conquanto muitas vezes na substância é do primeiro. Moral anfíbia, de adaptações entre o superior e o infe­rior, ética de transformação em que coexistem as normas de condu­ta de dois níveis de vida, as do inferior convertendo-se nas do su­perior, o qual se vai conquistando por lentas aproximações evoluti­vas (1988, p. 19).

            Entre a ética do involuído e a ética do evoluído pode haver também um choque. O passado que não quer morrer e o futuro que tem de vencer. Muitos estão nesta condição. Compreendem a Lei, sabem que é melhor seguir o caminho por ela determinado, mas estão em conflito interno e permanente com as forças do subconsciente e dos instintos que lhe prendem ao chão. De qualquer forma,

O trabalho atual da evolução em nosso mundo é de passar do 1.º tipo de ética para o 2.º. O eu vai assim despertando cada vez mais, aproximando-se das raízes espiri­tuais do ser, funcionando sempre mais com as qualidades do S [Sistema], e sempre menos com as do AS [Anti-Sistema]. Trata-se de um lógico desenvolvimen­to da evolução, de uma necessária conquista biológica, que leva consigo um novo tipo de ética e estilo de vida, conforme o telefinalismo de todo o fenômeno que vai do AS para S (1988, p. 22).

 

CAPÍTULOS III A VI

(III – MÉTODOS DE VIDA; IV – A PERSONALIDADE HUMANA; V – OS TRÊS BIÓTIPOS TERRESTRES; VI – O DESTINO)

CAPÍTULOS VII A IX

(CAPÍTULO VII – PSICANÁLISE; CAPÍTULO VIII – A NOVA PSICANÁLISE; E CAPÍTULO IX – TÉCNICAS DE TRATAMENTO)

CAPÍTULOS X A XIII

(CAPÍTULO X – A ÉTICA DO SEXO; CAPÍTULO XI – A ÉTICA SEXÓFOBA DO CRISTIANISMO; O CAPÍTULO XII – O SEXO COMO PROBLEMA ATUAL; CAPÍTULO XIII – AMOR E CONVIVÊNCIA SOCIAL)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

Filosofia Política → Filosofia Contemporânea → Pietro Ubaldi → Princípios de uma nova ética (resenha)



Leia mais: https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/principios-de-uma-nova-etica-resenha/

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