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sexta-feira, 14 de julho de 2023

 


 

O SOCORRO IMPREVISTO
 
Vendo a amizade estreita
 Da filha que ele amava, ardentemente,
 Com a jovem artista,
 Comediante e equilibrista,
 Sempre atirada sob a espreita
 Da crítica feroz de muita gente,
 O pai chamou-a e disse em palavras severas:
 
 — “Filha, não tens ainda vinte primaveras,
 Estudas num colégio austero e nobre,
 Dize: qual a razão
 Que te leva a escolher a companhia
 Dessa jovem mulher,
 Reles mulher sem consideração?”
 
 E, ante a muda surpresa da menina,
 O pai continuou na censura ferina:
 — “Proíbo-te qualquer intimidade
 Com essa moça envilecida,
 Que procura arruinar a própria vida,
 E que na condição de atriz, quer
 No palco ou na rua,
 Anda de trama em trama,
 Sempre despudorada e seminua
 Numa trilha de lama...”
 
 — “Mas, meu pai – disse a filha humildemente —,
 Ela trabalha assim,
 Para tratar do pai cego e doente...”
 — “Minha ordem é o fim –
 Grita o progenitor, derramando azedume —,
 Essa atriz para mim
 É uma pessoa deprimente,
 Que só por si resume
 Calamidade, astúcia, meretrício.
 Não mais te quero ver, onde estiver
 Essa infeliz mulher,
 Hoje dama do vício.”
 
 A menina chorou e obedeceu.
 Não mais buscou a antiga companheira
 E fez mais do que isso,
 Negou-se a recebê-la quando procurada,
 Alegando trabalho e compromisso.
 Mas os dias na Terra vêm e vão...
 
 Numa clara manhã de tórrido verão,
 A família fidalga está na praia,
 Pai, mãe e filha, em meio dos banhistas...
 A multidão descansa, olhando o mar,
 Toda gente partilha o mesmo ar,
 Os filhos da cidade e os grupos dos turistas.
 O mar naquele dia
 Estava diferente... Parecia
 Um gigante que se alteia
 Para depois cair aos estrondos na areia...
 
 Eis que, em certo momento, uma onda mais alta
 Chega de escantilhão
 E arrasta para longe a menina fidalga
 Que desce às profundezas de roldão.
 A pobre vem à tona
 E grita por socorro,
 Aprestam-se a salvá-la os guardas de vigia;
 Há confusão, desordem, gritaria...
 No entanto, de um grupinho, à parte dos demais,
 Certa jovem que estava em gargalhadas,
 Avança, mar a dentro, em valentes braçadas,
 Mergulha, em certo ponto, e num momento,
 Volta trazendo a jovem desmaiada.
 Mas ao depô-la salva, em terreno seguro,
 Um vagalhão enorme, um monstro escuro
 Arranca a salvadora para trás,
 A moça não resiste ao assalto voraz
 E, a debater-se, em vão, é atirada
 À distância e vai ao fundo...
 Esforça-se debalde...Está presa entre plantas,
 Que procura vencer, contudo elas são tantas!...
 Na luta que mantém, de segundo a segundo,
 Perde as forças...Por fim, se desanima,
 Não consegue voltar ao ar leve de cima...
 
 Em torno, a multidão, grita por ela,
 Agitam-se homens-rãs, correm os nadadores,
 Depois de esforços desesperadores,
 A moça vem à tona...Posta num barco à vela,
 A menina está morta e, em breve, junto dela,
 Une-se toda gente, a lastimar-lhe o fim...
 
 Aflito, chega o pai da jovem salva,
 Põe-se a rogar: — “Acordem a heroína,
 Essa moça merece a Proteção Divina,
 Ela salvou-me a filha,
 A filha que é meu sonho e a luz que me conforta,
 Quero entregar-lhe um prêmio e senti-la feliz..."
 Mas fitando no barco a pobre moça morta,
 Retrocedeu chorando...Era a famosa atriz.
 
DOLORES, Maria; MEIMEI. (Espíritos). Somente amor. 1. ed. – Impressão pequenas tiragens. Brasília: FEB; São Paulo: IDEAL, 2022.

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