ASSUNTO DE MULHER
Trabalhando a chorar,
Fraternalmente perguntei,
Sem qualquer pretensão,
Como podia eu suprir-lhe o pesar,
Através da oração...
— "Irmã Dolores,
O meu drama por certo
É um caso igual a muito caso triste..."
Do romance de dor que trazia por dentro,
Esclareceu, sereno:
— "Penso que amor de mãe é luz maior que existe
Depois do amor de Deus que nos envolve e aquece.
Pois, creia. Há doze anos
Fui expulso
Do ninho maternal para sofrer
Terríveis desenganos
Que nunca admiti me vissem testar
A energia da fé e o perdão por dever,
Benfeitores daqui me prepararam
Para existência nova...
Cabia-me voltar à Terra, o educandário,
Onde entraria em prova
Para seguir, mais tarde, em nosso itinerário,
Fui levado ao casal que me receberia;
Ante a futura mãe que Deus me concedia,
Enterneci-me tanto
Que me desfiz em pranto de júbilo sublime...
De olhar meigo e profundo...
Pareceu-me, em verdade, ao conhecê-la,
Que viveria ao lado de uma estrela
Em regressando ao mundo...
No preciso momento,
Adormeci em branda anestesia,
Depois, sem aflição, sem sofrimento,
Não sei como me vi ligado a ela...
Restituído ao tempo de criança...
Junto à jovem mulher que me aguardava,
Não podia dizer se vivia ou sonhava...
Sentia-me crescer envolto de amor puro,
Antevendo, feliz, o brilho do futuro...
Que estava retornando a novo dia,
Senti-me crescer deslocado, de repente,
Sonâmbulo, inconsciente,
Supliquei proteção naquele pesadelo...
Reconheci, por fim,
Naquele coração a que o Céu me entregara
Um coração de gelo,
Que me batera e me expulsara
Infeliz, humilhado e semimorto,
Num processo de aborto...
Remoendo revolta e desesperação,
Como quem despertava, a pouco e pouco,
Até que, em certo dia, acordei quase louco,
Padecendo terrível sensação...
Que me induzisse à bênção do perdão...
Duro perseguidor,
Flagelando, a rigor,
Aquela que me dera o menosprezo e a morte,
Aniquilando-me à vontade
Em regime de plena impunidade...
Gritei-lhe em rosto o meu ressentimento,
Ela não me escutou, na forma acostumada,
Mas sentiu-me a presença envenenada,
Sob a forma de culpa e de arrependimento...
Dia a dia, hora a hora, em agressão comprida,
Até que meu desforço injusto e inglório,
Vi-lhe a entrada num triste sanatório..."
Em obreiro do bem que servia, a meu lado,
Solicitou, comovedoramente: -
— "Agora que compreendo
O dever de ajudar pela bênção do amor,
Já não sou mais o obsessor...
Fazer-lhe todo o bem que ainda não pude,
Extirpar a raiz dos males que lhe fiz
E auxiliá-la a ser feliz...
Em vista de paz numa prece singela...
E lá me fui ao generoso abrigo
Em que vive a doente...
A dor que me feriu ao vê-la desgrenhada.
Ao sentir-nos de perto, a pobre dementada,
Agitou-se ferida na memória
E recapitulando a própria história,
Começou a gritar em penoso estribilho: -
— "Doutor, quero o meu filho...
Onde ficou meu filho?..."
Oramos pela paz da doente querida,
Mas, pensando na dor que geramos na vida,
Roguei a Deus:
— "Senhor, quando eu voltar ao mundo,
Seja qual for o campo em que estiver,
Não me deixes perder o sentido profundo
Que puseste em amor, na missão da mulher!..."
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