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O LIVRO-LIBELO
O distinto causídico não ocultava a ojeriza
que experimentava pela Doutrina Espírita.
Fosse onde fosse, se a conversa versasse sobre algum
tema
de Espiritismo, escorregava deliberadamente para o sarcasmo:
— Essa história de
Espiritismo, só num tratado psiquiátrico — dizia, irônico,
e destilava pequenas
difamações como
quem
debulhava espigas de brasas. Tão azedo adversário
se fizera, que aproveitou largo período de férias, em fazenda
silenciosa, para escrever um livro contra os postulados espíritas. Livro-acusação. Livro de
ódio.
Nos serões caseiros, costumava ler para os amigos esse ou aquele trecho, em
que médiuns eram denunciados e apupados de
maneira cruel. E riam-se, ele e os companheiros, entre um
e outro gole de uísque, salpicando a lama esfogueante
em
forma de letras.
O distinto advogado assumia as primeiras responsabilidades para enviar o volume à editora, quando sobreveio
o inesperado.
Dirigia carro elegante, nas proximidades de um grupo
escolar, quando atarantado
pequeno, a correr
desorientado, cai-lhe sob as rodas.
Um passarinho sob um trator não morreria
mais
depressa.
Tumulto. Autoridades
em cena.
Ele mesmo, suportando os impropérios
do povo, apanha o cadáver minúsculo e, de
coração agoniado,
busca a residência da vítima.
Em sã consciência
não é culpado, mas
tem
o coração alanceado de intensa dor.
Chorando copiosamente, entrega o menino morto aos pais em pranto, que o recebem
sem a mínima
queixa.
O pai acaricia
os cabelos da criança, em silêncio, e a
mãezinha ora
em lágrimas.
Deseja ser humilhado,
acusado, ferido. Isso, decerto,
diminuiria-lhe a tensão. Encontra
ali,
porém, apenas
resignação e serenidade.
O advogado consulta então a família sobre a instauração do processo de indenização,
mas o chefe da família responde, firme:
— Nada disso. O doutor não teve culpa alguma. Ninguém faria isso por querer... Os desígnios de Deus
foram cumpridos...
E a mãe do menino, enxugando o
rosto, acrescenta:
— Choramos, como é natural, mas não desejamos indenização alguma. Deus sabe o
que faz.
O causídico, de
olhos vermelhos, considerou:
— Então...
— Doutor, não se preocupe... Compreendemos perfeitamente que o senhor não tem culpa... O senhor está
sofrendo tanto
quanto
nós... Ore conosco, a
fim
de acalmar-se.
Admirando-lhes a paciência
cristã, o causídico indagou, vacilante:
— Que religião
professam?
— Nós somos espíritas — informou o pai da pequena
vítima.
O advogado baixou a cabeça e ali permaneceu, sensibilizado e prestimoso, até a realização dos funerais.
E à noite, em casa, de coração opresso e transformado, fechou-se no quarto e rasgou o livro-libelo
que havia escrito.
(SILVA, Hilário (Espírito). A vida escreve. Pelos médiuns Waldo Vieira e Chico Xavier. Primeira Parte, cap. 6, médium Waldo Vieira. Brasília: FEB.)
Aviso aos meus leitores: O capítulo 4 d'O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução livre de nossa autoria, será publicado no final deste sábado, 25/5/2019.
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