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domingo, 5 de maio de 2019




Trad. cap. 2 d’O Evangelho Segundo o Espiritismo (Jorge Leite de Oliveira)






2 MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO (4/5/19)

A vida futura - A realeza de Jesus - O ponto de vista. Instruções dos Espíritos: Uma realeza terrena

Pilatos tornou a entrar no pretório, chamou Jesus e disse-lhe: - Você é o Rei dos Judeus? [...] Respondeu-lhe Jesus: - Meu Reino não é deste mundo: se meu Reino fosse deste mundo, certamente que meus súditos teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus; mas meu Reino não é daqui. Disse-lhe então Pilatos: - Logo, você é rei? Jesus respondeu-lhe: - Você o diz: eu sou rei. Não nasci nem vim a este mundo senão para dar testemunho da verdade. Aquele que pertence à verdade escuta minha voz (João, 18:33-36 e 37).

2.1 A vida futura

Por essas palavras, Jesus  refere-se claramente à vida futura, que ele apresenta, em todas as circunstâncias, como o fim a que se destina a humanidade, e como devendo ser o objeto das principais preocupações do homem sobre a Terra. Todas as suas máximas referem-se a esse grande princípio. Sem a vida futura, com efeito, a maior parte dos seus preceitos de moral não teriam nenhuma razão de ser. É por isso que os que não creem na vida futura, pensando que Ele apenas falava da vida presente, não os compreendem ou os consideram pueris.
Esse dogma pode ser considerado, portanto, como o ponto central do ensinamento do Cristo. Eis porque está colocado num dos primeiros lugares à frente desta obra, pois deve ser o alvo de todos os homens. Só ele pode justificar as anomalias da vida terrestre e harmonizar-se com a justiça de Deus.
Os judeus tinham ideias muito incertas sobre a vida futura. Acreditavam nos anjos, que consideravam como os seres privilegiados da criação; mas não sabiam que os homens, um dia, pudessem tornar-se anjos e participar da felicidade destes. Segundo pensavam, a observância das leis de Deus era recompensada pelos bens terrenos, a supremacia de sua nação, as vitórias sobre os inimigos. As calamidades públicas e as derrotas eram os castigos da desobediência. Moisés não pudera dizer mais do que isso a um povo pastor ignorante, que precisava ser tocado antes de tudo pelas coisas deste mundo. Mais tarde, Jesus veio revelar-lhes que existe outro mundo, onde a Justiça de Deus segue seu curso. É esse mundo que ele promete aos que observam os mandamentos de Deus e onde os bons são recompensados. Esse mundo é o seu Reino, é lá que Ele se encontra em toda a sua glória, e para lá voltaria quando deixasse a Terra.
Entretanto, Jesus, conformando o seu ensino ao estado dos homens de sua época, não julgou conveniente lhes dar luz completa, que os deslumbraria sem os esclarecer, porque eles não o teriam compreendido. Limitou-se a colocar, de certo modo, a vida futura como um princípio, uma lei da natureza, da qual ninguém pode escapar. Todo cristão, portanto, crê necessariamente na vida futura, mas a ideia que muitos fazem dela é ainda vaga, incompleta, e, por isso mesmo, falsa em muitos pontos. Para grande número de pessoas, não é mais que uma crença, sem nenhuma certeza decisiva, e daí as dúvidas, e até mesmo a incredulidade.
O Espiritismo veio completar, nesse ponto, como em vários outros, o ensinamento do Cristo, quando os homens se mostraram maduros para compreender a verdade. Com o Espiritismo, a vida futura não é mais um simples artigo de fé, uma hipótese. É uma realidade material, demonstrada pelos fatos, pois são as testemunhas oculares que a vêm descrever em todas as suas fases e peripécias, de tal sorte que não somente a dúvida já não é mais possível, como a inteligência mais vulgar pode fazer uma ideia do seu verdadeiro aspecto, como imagina ser um país, quando lê sua descrição detalhada. Ora, essa descrição da vida futura é de tal modo circunstanciada, as condições da existência feliz ou infeliz dos que nela se encontram são tão racionais, que acabamos por concordar que não podia ser de outra maneira, e que ela bem representa a verdadeira justiça de Deus.


2.2 A realeza de Jesus

 
Que o Reino de Jesus não é deste mundo todos compreendem. Mas também na Terra Ele não terá uma realeza? O título de rei nem sempre exige o exercício do poder temporal. Ele é dado por consenso unânime aos que, por seu gênio, se colocam em primeiro lugar em alguma atividade, dominando o seu século e influindo sobre o progresso da humanidade. É nesse sentido que se diz: o rei ou o príncipe dos filósofos, dos artistas, dos poetas, dos escritores etc. Essa realeza, que nasce do mérito pessoal, consagrada pela posteridade, não revela muitas vezes bem maior preponderância que a de quem porta a coroa real? Aquela é imperecível enquanto esta é joguete das vicissitudes; aquela é sempre abençoada pelas gerações futuras, enquanto a outra é, muitas vezes, amaldiçoada. A realeza terrestre acaba com a vida; a realeza moral continua a governar, sobretudo, após a morte. Sob esse aspecto, Jesus não é um rei mais poderoso que muitos potentados? Foi com razão, portanto, que Ele disse a Pilatos: Sou rei, mas o meu Reino não é deste mundo.


2.3 O ponto de vista


A ideia clara e precisa que se faça da vida futura dá uma fé inabalável no porvir, e essa fé tem consequências enormes sobre a moralização dos homens, porque muda completamente o ponto de vista sob o qual eles encaram a vida terrena. Para aquele que se coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é indefinida, a vida corporal não é mais do que rápida passagem, breve permanência num país ingrato. As vicissitudes e as tribulações dessa vida não são mais que incidentes que ele suporta com paciência, porque sabe que são de curta duração e devem ser seguidas de uma situação mais feliz. A morte nada tem de assustador, não é mais a porta do nada, mas a da libertação, que abre para o exilado a morada da felicidade e da paz. Sabendo que se encontra num lugar temporário e não definitivo, ele encara as dificuldades da vida com mais indiferença, do que resulta uma calma de espírito que lhe abranda as amarguras.
Pela simples dúvida sobre a vida futura, o homem concentra todos os seus pensamentos na vida terrestre. Incerto quanto ao porvir, dedica-se totalmente ao presente. Não entrevendo bens mais preciosos que os da Terra, ele  comporta-se como a criança que nada vê além dos seus brinquedos e tudo faz para os obter. A perda do menor dos seus bens causa-lhe pungente mágoa. Uma desilusão, uma esperança perdida, uma ambição insatisfeita, uma injustiça de que seja vítima, o orgulho ou a vaidade feridos são tantos outros tormentos, que fazem da vida uma angústia perpétua, porque que se entrega voluntariamente a uma verdadeira tortura de todos os instantes. Sob o ponto de vista da vida terrestre, em cujo centro se coloca, tudo ao seu redor assume vastas proporções. O mal que o atinja, como o bem que toque aos outros, tudo adquire aos seus olhos grande importância. Ocorre o mesmo com aquele que se encontra dentro de uma cidade, tudo lhe parece grande, tanto os homens que ocupam altas posições, como os monumentos. Mas se ele subir uma montanha, homens e coisas, tudo lhe parece bem pequeno.
Assim acontece com aquele que encara a vida terrena do ponto de vista da vida futura: a humanidade, como as estrelas do firmamento, perde-se na imensidade. Ele então percebe que grandes e pequenos se confundem como as formigas num monte de terra; que proletários e potentados são da mesma estatura; e lamenta que essas criaturas efêmeras tanto se fatiguem para conquistar uma posição que as elevará tão pouco e por tão pouco tempo. É assim que a importância atribuída aos bens terrenos está sempre na razão inversa à fé na vida futura.
Se todos pensassem assim, dir-se-á, ninguém mais se ocupando das coisas da Terra, tudo periclitará. Não, o homem procura instintivamente o seu bem-estar, e mesmo tendo a certeza de que ficará por pouco tempo em algum lugar, ainda quererá estar aí o melhor ou o menos mal possível. Não há quem, sentindo um espinho sob a mão, não a retire para não se picar. Ora, a procura do bem-estar força o homem a melhorar todas as coisas, impelido que ele é pelo instinto do progresso e da conservação, que está nas leis da natureza. Ele trabalha, portanto, por necessidade, por gosto e por dever, e com isso cumpre os desígnios da Providência, que o colocou na Terra para esse fim. Somente aquele que considera haver o futuro pode dar ao presente uma importância relativa, consolando-se facilmente de seus insucessos, ao pensar no destino que o aguarda.
Deus não condena, portanto, os gozos terrenos, mas o abuso desses gozos, em prejuízo das coisas da alma. É contra esse abuso que se previnem os que acatam estas palavras de Jesus: Meu Reino não é deste mundo.
Aquele que se identifica com a vida futura é semelhante a um homem rico, que perde sem emoção uma pequena soma; aquele que concentra os seus pensamentos na vida terrestre é como o pobre que, ao perder tudo o que possui, cai em desespero.
O Espiritismo alarga o pensamento e abre-lhe novos horizontes. Em vez dessa visão estreita e mesquinha, que o concentra na vida presente, que faz do instante vivido por nós sobre a Terra o único e frágil eixo do futuro eterno, o Espiritismo mostra-nos que esta vida é um simples elo do conjunto harmonioso e grandioso da obra do Criador, ele revela a solidariedade que liga todas as existências de um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e os seres de todos os mundos. Oferece, assim, uma base e uma razão de ser à fraternidade universal, enquanto a doutrina da criação da alma, no momento do nascimento de cada corpo, faz que todos os seres sejam estranhos uns aos outros. Essa solidariedade entre as partes de um mesmo todo explica o que é inexplicável quando apenas consideramos uma parte. Os homens do tempo de Cristo não podiam compreender essa visão de conjunto, por isso o seu conhecimento foi reservado para outros tempos.


2.4 Instruções dos Espíritos: uma realeza terrestre


Quem melhor do que eu pode compreender a verdade destas palavras de Nosso Senhor: - Meu Reino não é deste mundo? O orgulho perdeu-me na Terra. Quem, pois, compreenderia o nada dos reinos do mundo, se eu não o compreendia? Que foi que eu trouxe comigo de minha realeza terrena? Nada, absolutamente nada. E como para tornar a lição mais terrível, ela nem mesmo me acompanhou até o túmulo! Rainha entre os homens, rainha pensei chegar ao Reino dos Céus. Que desilusão! Que humilhação, quando, em vez de ser aqui recebida como soberana, tive de ver acima de mim, mas muito acima, homens que eu considerava pequeninos e os desprezava, por não terem sangue nobre! Oh, só então compreendi a esterilidade das honras e das grandezas que se buscam tão avidamente na Terra!
Para preparar um lugar neste Reino são necessárias a abnegação, a humildade, a caridade, em toda a sua celeste prática, a benevolência para com todos. Não se pergunta o que fomos, que posição ocupamos, mas o bem que fizemos, as lágrimas que enxugamos.
Oh, Jesus! Você disse que seu Reino não é deste mundo, porque é necessário sofrer para chegar ao Céu, e os degraus do trono não nos aproximam dele. São os caminhos mais penosos da vida os que conduzem a ele. Procure-se, pois, o caminho do Céu através de espinhos e abrolhos e não por entre as flores!
Os homens correm atrás dos bens terrenos, como se os pudessem guardar para sempre. Mas aqui já não há ilusões, e logo eles percebem que se agarraram a uma sombra e desprezaram os únicos bens reais e duráveis, os únicos que lhes aproveitam na morada celeste e que lhes podem abrir as portas do Céu.
Tenha piedade dos que não ganharam o Reino dos Céus. Ajude-os com as suas preces, pois a prece aproxima o homem do Altíssimo, ela é o traço de união entre o Céu e a Terra. Não o esqueça!
Uma Rainha de França (Le Havre, 1863)

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