Trad. cap. 2 d’O Evangelho Segundo o Espiritismo (Jorge Leite de
Oliveira)
2 MEU REINO NÃO É
DESTE MUNDO (4/5/19)
A vida futura - A realeza de Jesus - O ponto de vista.
Instruções dos Espíritos: Uma
realeza terrena
Pilatos tornou a entrar no pretório, chamou Jesus e disse-lhe: - Você é o Rei dos Judeus? [...] Respondeu-lhe Jesus: - Meu Reino não é deste mundo: se meu Reino fosse deste mundo, certamente que meus súditos teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus; mas meu Reino não é daqui. Disse-lhe então Pilatos: - Logo, você é rei? Jesus respondeu-lhe: - Você o diz: eu sou rei. Não nasci nem vim a este mundo senão para dar testemunho da verdade. Aquele que pertence à verdade escuta minha voz (João, 18:33-36 e 37).
Pilatos tornou a entrar no pretório, chamou Jesus e disse-lhe: - Você é o Rei dos Judeus? [...] Respondeu-lhe Jesus: - Meu Reino não é deste mundo: se meu Reino fosse deste mundo, certamente que meus súditos teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus; mas meu Reino não é daqui. Disse-lhe então Pilatos: - Logo, você é rei? Jesus respondeu-lhe: - Você o diz: eu sou rei. Não nasci nem vim a este mundo senão para dar testemunho da verdade. Aquele que pertence à verdade escuta minha voz (João, 18:33-36 e 37).
2.1 A
vida futura
Por essas palavras, Jesus refere-se claramente à vida futura,
que ele apresenta, em todas as circunstâncias, como o fim a que se destina a
humanidade, e como devendo ser o objeto das principais preocupações do homem
sobre a Terra. Todas as suas máximas referem-se a esse grande princípio. Sem a vida futura, com efeito, a maior parte dos seus
preceitos de moral não teriam nenhuma razão de ser. É por isso que os que não
creem na vida futura, pensando que Ele apenas falava da vida presente, não os
compreendem ou os consideram pueris.
Esse dogma pode ser considerado, portanto, como o ponto central
do ensinamento do Cristo. Eis porque está colocado num dos primeiros lugares à
frente desta obra, pois deve ser o alvo de todos os homens. Só ele pode
justificar as anomalias da vida terrestre e harmonizar-se com a justiça de
Deus.
Os judeus tinham ideias muito incertas sobre a vida futura. Acreditavam
nos anjos, que consideravam como os seres privilegiados da criação; mas não
sabiam que os homens, um dia, pudessem tornar-se anjos e participar da
felicidade destes. Segundo pensavam, a observância das leis de Deus era
recompensada pelos bens terrenos, a supremacia de sua nação, as vitórias sobre
os inimigos. As calamidades públicas e as derrotas eram os castigos da
desobediência. Moisés não pudera dizer mais do que isso a um povo pastor ignorante,
que precisava ser tocado antes de tudo pelas coisas deste mundo. Mais tarde,
Jesus veio revelar-lhes que existe outro mundo, onde a Justiça de Deus segue
seu curso. É esse mundo que ele promete aos que observam os mandamentos de Deus
e onde os bons são recompensados. Esse mundo é o seu Reino, é lá que Ele se
encontra em toda a sua glória, e para lá voltaria
quando deixasse a Terra.
Entretanto, Jesus, conformando o seu ensino ao estado dos homens
de sua época, não julgou conveniente lhes dar luz completa, que os deslumbraria sem os esclarecer, porque eles não o teriam compreendido. Limitou-se a
colocar, de certo modo, a vida futura como um princípio, uma lei da natureza,
da qual ninguém pode escapar. Todo cristão, portanto,
crê necessariamente na vida futura, mas a
ideia que muitos fazem dela é ainda vaga, incompleta, e, por isso mesmo, falsa em
muitos pontos. Para grande número de pessoas, não
é mais que uma crença, sem nenhuma certeza decisiva, e daí as dúvidas, e até
mesmo a incredulidade.
O Espiritismo veio completar, nesse ponto, como em vários
outros, o ensinamento do Cristo, quando os homens se mostraram maduros para
compreender a verdade. Com o Espiritismo, a vida futura não é mais um simples
artigo de fé, uma hipótese. É uma realidade material, demonstrada pelos fatos,
pois são as testemunhas oculares que a vêm descrever em todas
as suas fases e peripécias, de tal sorte que não somente a dúvida já não é mais
possível, como a inteligência mais vulgar pode fazer uma ideia do seu
verdadeiro aspecto, como imagina ser um país, quando lê sua descrição detalhada.
Ora, essa descrição da vida futura é de tal modo circunstanciada, as condições
da existência feliz ou infeliz dos que nela se encontram são tão racionais, que
acabamos por concordar que não podia ser de outra maneira, e que ela bem
representa a verdadeira justiça de Deus.
2.2 A
realeza de Jesus
Que o Reino de Jesus não é deste mundo todos compreendem. Mas também
na Terra Ele não terá uma realeza? O título de rei nem sempre exige o
exercício do poder temporal. Ele é dado por consenso unânime aos que, por seu
gênio, se colocam em primeiro lugar em alguma atividade, dominando o seu século e influindo sobre o progresso da
humanidade. É nesse sentido que se diz: o rei ou o príncipe dos filósofos, dos
artistas, dos poetas, dos escritores etc. Essa realeza, que nasce do mérito
pessoal, consagrada pela posteridade, não revela muitas vezes bem maior
preponderância que a de quem porta a coroa real? Aquela é imperecível enquanto esta é joguete das vicissitudes; aquela
é sempre abençoada pelas gerações futuras, enquanto a outra é, muitas vezes,
amaldiçoada. A realeza terrestre acaba com a vida; a realeza moral continua a governar,
sobretudo, após a morte. Sob esse aspecto, Jesus não é um rei mais poderoso que
muitos potentados? Foi com razão, portanto, que Ele disse a Pilatos: Sou rei,
mas o meu Reino não é deste mundo.
2.3 O
ponto de vista
A ideia clara e precisa que se faça da vida futura dá uma fé
inabalável no porvir,
e essa fé tem consequências enormes sobre a
moralização dos homens, porque muda completamente o ponto de vista sob o qual eles encaram a vida terrena. Para
aquele que se coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é indefinida, a
vida corporal não é mais do que rápida passagem, breve permanência num país
ingrato. As vicissitudes e as tribulações dessa
vida não são mais que incidentes que ele suporta com paciência, porque sabe que
são de curta duração e devem ser seguidas de uma situação mais feliz. A morte
nada tem de assustador, não é mais a porta do nada, mas a da libertação,
que abre para o exilado a morada da felicidade e da
paz. Sabendo que se encontra num lugar temporário e não definitivo, ele encara
as dificuldades da vida com mais indiferença, do
que resulta uma calma de espírito que lhe abranda as amarguras.
Pela simples dúvida sobre a vida futura, o homem concentra todos
os seus pensamentos na vida terrestre. Incerto quanto ao porvir, dedica-se totalmente
ao presente. Não entrevendo bens mais preciosos que os da Terra, ele comporta-se como a criança que nada vê além dos seus brinquedos e tudo faz para os obter. A perda do menor dos seus bens causa-lhe pungente mágoa.
Uma desilusão, uma esperança perdida, uma ambição insatisfeita, uma injustiça
de que seja vítima, o orgulho ou a vaidade feridos são tantos outros
tormentos, que fazem da vida uma angústia perpétua, porque que se entrega
voluntariamente a uma verdadeira tortura de todos os instantes. Sob o ponto
de vista da vida terrestre, em cujo centro se coloca, tudo ao seu redor assume
vastas proporções. O mal que o atinja, como o bem que toque aos outros, tudo
adquire aos seus olhos grande importância. Ocorre
o mesmo com aquele que se encontra dentro de uma cidade, tudo lhe parece grande,
tanto os homens que ocupam altas posições, como os monumentos. Mas se ele subir
uma montanha, homens e coisas, tudo lhe parece bem pequeno.
Assim acontece com aquele que encara a vida terrena do ponto de
vista da vida futura: a humanidade, como as estrelas do firmamento, perde-se na
imensidade. Ele então percebe que grandes e pequenos se confundem como as formigas
num monte de terra;
que proletários e potentados são da mesma estatura;
e lamenta que essas criaturas efêmeras tanto se fatiguem
para conquistar uma posição que as elevará tão pouco e por tão pouco tempo. É
assim que a importância atribuída aos bens terrenos está sempre na razão
inversa à fé na vida futura.
Se todos pensassem assim, dir-se-á, ninguém mais se ocupando das
coisas da Terra, tudo periclitará. Não, o homem procura instintivamente o seu
bem-estar, e mesmo tendo a certeza de que ficará por pouco tempo em algum
lugar, ainda quererá estar aí o melhor ou o menos mal possível. Não há quem,
sentindo um espinho sob a mão, não a retire para não se picar. Ora, a procura
do bem-estar força o homem a melhorar todas as coisas, impelido que ele é pelo
instinto do progresso e da conservação, que está nas
leis da natureza. Ele trabalha, portanto, por necessidade, por gosto e por
dever, e com isso cumpre os desígnios da Providência, que o colocou na Terra para
esse fim. Somente aquele que considera haver
o futuro pode dar ao presente uma importância relativa, consolando-se facilmente
de seus insucessos, ao pensar no destino que o aguarda.
Deus não condena, portanto, os gozos terrenos, mas o abuso
desses gozos, em prejuízo das coisas da alma. É contra esse abuso que se
previnem os que acatam estas palavras de Jesus: Meu Reino não é deste mundo.
Aquele que se identifica com a vida futura é semelhante a um
homem rico, que perde sem emoção uma pequena soma; aquele que concentra os seus
pensamentos na vida terrestre é como o pobre que, ao perder tudo o que possui,
cai em desespero.
O Espiritismo alarga o pensamento e abre-lhe novos horizontes.
Em vez dessa visão estreita e mesquinha, que o concentra na vida presente, que faz do instante vivido por nós sobre a Terra o único
e frágil eixo do futuro eterno, o Espiritismo mostra-nos que esta vida é um simples elo do
conjunto harmonioso e grandioso da obra do Criador, ele revela a solidariedade que liga todas as existências
de um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e os seres de todos os
mundos. Oferece, assim, uma base e uma razão de ser à fraternidade universal, enquanto
a doutrina da criação da alma, no momento do nascimento de cada corpo, faz que todos
os seres sejam estranhos uns aos outros. Essa solidariedade entre as partes de
um mesmo todo explica o que é inexplicável quando apenas consideramos uma
parte. Os homens do tempo de Cristo não podiam
compreender essa visão de conjunto, por isso o seu conhecimento foi reservado para outros tempos.
2.4 Instruções
dos Espíritos: uma realeza terrestre
Quem melhor do que eu pode compreender a verdade destas palavras
de Nosso Senhor: - Meu Reino não é deste
mundo? O orgulho perdeu-me na Terra. Quem, pois, compreenderia o nada dos
reinos do mundo, se eu não o compreendia? Que foi que eu trouxe comigo de minha
realeza terrena? Nada, absolutamente nada. E como para tornar a lição mais
terrível, ela nem mesmo me acompanhou até o túmulo! Rainha entre os homens, rainha
pensei chegar ao Reino dos Céus. Que desilusão! Que humilhação, quando, em vez
de ser aqui recebida como soberana, tive de ver acima de mim, mas muito acima, homens
que eu considerava pequeninos e os desprezava, por não terem sangue nobre! Oh, só então compreendi a esterilidade das honras e das
grandezas que se buscam tão avidamente na Terra!
Para preparar um lugar neste Reino são necessárias a abnegação,
a humildade, a caridade, em toda a sua celeste prática, a benevolência para com
todos. Não se pergunta o que fomos, que posição ocupamos, mas o bem que fizemos,
as lágrimas que enxugamos.
Oh, Jesus! Você disse que seu Reino não é deste mundo, porque é
necessário sofrer para chegar ao Céu, e os degraus do trono não nos aproximam dele. São os caminhos mais penosos da vida os
que conduzem a ele. Procure-se, pois, o caminho do Céu através de espinhos e
abrolhos e não por entre as flores!
Os homens correm atrás dos bens terrenos, como se os pudessem
guardar para sempre. Mas aqui já não há ilusões, e logo eles percebem que se agarraram
a uma sombra e desprezaram os únicos bens reais e duráveis, os únicos que lhes
aproveitam na morada celeste e que lhes podem abrir as portas do Céu.
Tenha piedade dos que não ganharam o Reino dos Céus. Ajude-os
com as suas preces, pois a prece aproxima o homem do Altíssimo, ela é o traço
de união entre o Céu e a Terra. Não o esqueça!
Uma Rainha de França (Le Havre, 1863)
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