3.3
Destinação da Terra. Causas das misérias humanas
Admira-se de haver sobre a Terra tantas maldades e tantas
paixões inferiores, tantas misérias e enfermidades de toda natureza,
concluindo-se que triste coisa é a espécie humana. Esse julgamento provém do
ponto de vista estreito em que se colocam os que o emitem e que lhes dá uma
falsa ideia do conjunto. É necessário considerar que nem toda a humanidade se
encontra na Terra, mas apenas uma pequena fração dela. De fato, a espécie
humana compreende todos os seres dotados de razão, que povoam os inumeráveis
mundos do universo. Ora, que é a população da Terra, diante da população total
desses mundos? Bem menos que a de um lugarejo em relação à de um grande império.
A situação material e moral da humanidade terrena nada tem que espante, se levarmos
em conta o destino da Terra e a natureza daqueles que a habitam.
Faria dos habitantes de uma grande cidade ideia muito falsa quem
os julgasse pela população dos seus bairros minúsculos e miseráveis. Num
hospital, só se veem doentes e estropiados; numa prisão, vê-se todas as torpezas,
todos os vícios reunidos; nas regiões insalubres, a maior parte dos habitantes
são pálidos, fracos e doentios. Pois bem: consideremos a Terra como um subúrbio,
um hospital, uma penitenciária, um país insalubre, porque ela é tudo isso a um
só tempo, e compreenderemos porque as suas aflições sobrepujam os prazeres, porque
não se enviam aos hospitais as pessoas sadias, nem às casas de correção os que
não praticaram mal, pois nem os hospitais, nem as casas de correção, são
lugares de delícias.
Ora, do mesmo modo que, numa cidade, toda a população não se
encontra nos hospitais ou nas prisões, também a humanidade inteira não se
encontra na Terra. E assim como saímos do hospital quando estamos curados, e da
prisão quando cumprimos a pena, o homem sai da Terra para mundos mais felizes,
quando se acha curado de suas enfermidades morais.
3.4 Instruções
dos Espíritos
Mundos
inferiores e mundos superiores; mundos de expiações e de provas; mundos
regeneradores; progressão dos mundos.
3.4.1
Mundos inferiores e mundos superiores
A classificação de mundos inferiores e mundos superiores é mais
relativa do que absoluta. Tal mundo é inferior ou superior em relação aos que lhe
estão acima ou abaixo, na escala progressiva.
A Terra sendo tomada como ponto de comparação, pode-se fazer
ideia do estado de um mundo inferior, supondo seus habitantes no grau evolutivo
dos povos selvagens e das nações bárbaras que ainda se encontram na sua
superfície, e que são os restos do seu estado primitivo. Nos mundos mais
atrasados, os seres que os habitam são de certo modo rudimentares. Têm a forma
humana, mas sem nenhuma beleza. Seus instintos não são abrandados por nenhum sentimento
de delicadeza ou benevolência, nem pelas noções do justo e do injusto. A força bruta
é sua única lei. Sem indústrias, sem invenções, os habitantes dedicam sua vida
à conquista de alimentos. Contudo, Deus não abandona nenhuma de suas criaturas.
No fundo das trevas da inteligências há, latente, mais ou menos desenvolvida, a
vaga intuição de um Ser supremo. Esse instinto é suficiente para torná-los superiores uns aos outros e para
lhes preparar a ascensão a uma vida mais completa, visto que não são seres degradados,
mas crianças que crescem.
Entre esses graus inferiores e os mais elevados, há inumeráveis
graus, e entre os Espíritos puros, desmaterializados e resplandecentes de
glória, é difícil reconhecer os que animaram os seres primitivos, da mesma
maneira que, no homem adulto, é difícil reconhecer o antigo embrião.
Nos mundos que chegaram a um grau superior, as condições da vida
moral e material são muito diferentes das que encontramos na Terra. A forma dos
corpos é sempre, como por toda parte, a humana, mas embelezada, aperfeiçoada e
sobretudo purificada. O corpo nada tem da materialidade terrestre, e não está,
por isso mesmo, sujeito às necessidades, às doenças e às deteriorações
decorrentes do predomínio da matéria. Os sentidos, mais apurados, têm
percepções que a grosseria dos nossos órgãos sufoca. A leveza específica dos
corpos torna a locomoção rápida e fácil. Em vez de se arrastarem penosamente
sobre o solo, eles deslizam, por assim dizer, pela superfície ou pelo ar, sem
outro esforço que o da vontade, à maneira das representações de anjos ou dos
manes dos antigos nos Campos Elíseos. Os homens conservam à vontade os traços
de suas existências passadas, e aparecem aos amigos em suas formas conhecidas,
mas iluminadas por uma luz divina, transfiguradas pelas impressões interiores,
que são sempre elevadas. Em vez de rostos pálidos, abatidos pelos sofrimentos e
paixões, a inteligência e a vida irradiam esse brilho que os pintores
traduziram pelo nimbo ou auréola dos santos.
A pouca resistência que a matéria oferece aos Espíritos já
bastante adiantados, acelera o desenvolvimento dos corpos, e abrevia ou quase anula
o período de infância. A vida, isenta de cuidados e angústias, é
proporcionalmente muito mais longa que a da Terra. Em princípio, a longevidade
é proporcional ao grau de adiantamento dos mundos. A morte nada tem dos
horrores da decomposição, e longe de ser motivo de pavor, é considerada como
uma transformação feliz, porque ali não existem dúvidas quanto ao futuro.
Durante a vida, a alma não estando encerrada numa matéria compacta, irradia e
goza de uma lucidez que a deixa num estado quase permanente de emancipação,
permitindo a livre transmissão do pensamento.
Nesses mundos felizes, as relações entre os povos, sempre
amigáveis, jamais são
perturbadas
pelas ambições de subjugar seu vizinho, nem pelas guerras que lhes são
consequentes. Não há senhores nem escravos, nem privilegiados de nascimento. Só
a superioridade moral e intelectual estabelece diferença entre as condições e dá
a supremacia. A autoridade é sempre respeitada, porque decorre unicamente do
mérito e se exerce sempre com justiça. O homem não procura elevar-se acima do
homem, mas sobre si mesmo, aperfeiçoando-se. Seu objetivo é alcançar a classe
dos Espíritos puros, e esse desejo incessante não constitui um tormento, mas
uma nobre ambição, que o faz estudar com ardor para os igualar. Todos os sentimentos
ternos e elevados da natureza humana apresentam-se engrandecidos e purificados.
Os ódios, os ciúmes mesquinhos, as baixas cobiças da inveja ali são ali desconhecidos.
Um laço de amor e fraternidade une todos os homens. Os mais fortes ajudam os mais
fracos. Possuem bens, em maior ou menor quantidade, mas ninguém sofre pela
falta do necessário, porque ninguém ali se encontra em expiação. Numa palavra,
o mal não existe nesses mundos.
No seu mundo, vocês necessitam do mal para sentir o bem, da
noite para admirar a luz, da doença para apreciar a saúde. Lá, esses contrastes
não são necessários. A eterna luz, a eterna beleza, a paz eterna da alma
proporcionam alegria eterna, que nem as angústias da vida material, nem os
contatos dos maus, que ali não têm acesso, poderiam perturbar. Isso é o que o
espírito humano tem maior dificuldade em compreender. Ele foi engenhoso para pintar
os tormentos do inferno, mas jamais pode representar as alegrias do céu. E isso
por quê? Porque, sendo inferior, só tem experimentado penas e misérias, e não
pode entrever as claridades celestes. Ele não pode falar daquilo que não
conhece. Mas, à medida que se eleva e se depura, o seu horizonte se dilata e
ele compreende o bem que está à sua frente, como compreendeu o mal que deixou
para trás.
Entretanto, esses mundos afortunados não são mundos
privilegiados, porque Deus não é parcial com nenhum de seus filhos. A todos dá
os mesmos direitos e as mesmas facilidades para chegarem a esses mundos. Faz
que todos partam do mesmo ponto, e a nenhum dota mais do que aos outros. Os
primeiros postos são acessíveis a todos. Cabe-lhes conquistá-los pelo trabalho,
alcançá-los o mais cedo possível, ou permanecer inativos durante séculos e séculos
no lodaçal da humanidade (síntese do ensino de todos os espíritos superiores).
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