ALEGRIA DE VIVER
Jorge Leite de Oliveira
O professor genovês de Filosofia da Ciência, na
Universidade de Turim, Itália, Ernesto Bozzano, que foi materialista convicto,
após entrar em contato com as obras de Allan Kardec e de pesquisadores como
Gabriel Delanne, Robert Dale Owen e William Crookes, dentre outros cientistas
dos séculos XIX e XX, estudou profundamente os fenômenos psíquicos e
mediúnicos. Converteu-se ao Espiritismo e tornou-se um dos mais destacados
pesquisadores da alma humana desde então.
Como resultado de suas pesquisas, publicou dezenas de
obras. Dentre as quais sobressaem-se, pelo rigor da análise das teorias
materialistas e espíritas, com supremacia para estas, obras como A crise da morte, Animismo e espiritismo, Pensamento
e vontade, Metapsíquica humana e Xenoglossia, publicadas pela Federação
Espírita Brasileira. Neste estudo, de início, referir-nos-emos a algumas
conclusões decorrentes das análises feitas por Bozzano nas obras Pensamento e vontade e A crise da morte.
O primeiro é um livro que demonstra a presença de Deus no Universo, como
Espírito Criador de tudo que nele existe. Ele gerou-nos, conforme a afirmação
de Jesus, para a perfeição e a felicidade decorrente dela. Somos, portanto,
filhos de Deus e Espíritos imortais.
Nas conclusões de Pensamento
e vontade, Bozzano esclarece-nos que, ao contrário do que afirma o
materialismo científico, o pensamento não é excreção cerebral, pois “o exame
aprofundado dos fenômenos metapsíquicos” revela-nos ser “o pensamento que
condiciona o cérebro”. A hipótese espírita, baseada em “provas complementares”,
possui “uma solidez científica inabalável” (BOZZANO, 1970, p. 137).
Já na obra intitulada A
crise da morte, Bozzano sintetiza, em doze itens o que ocorre com o
Espírito após sua morte física, com base num consenso universal, como dizia
Kardec ser necessário para se admitir a comunicação espiritual. O sexto item
dessas conclusões é um alerta para o modo de desencarnação que cada pessoa tem.
O autor esclarece-nos que “os mortos moralmente normais” vão para um “meio
espiritual radioso e maravilhoso”, mas os que ele chama de “mortos moralmente
depravados” são atraídos para um meio tenebroso e opressivo” (BOZZANO, 2015, p.
144).
Na questão
132 d’O livro dos espíritos, somos
informados de que a encarnação tem por fim nos fazer alcançar a perfeição.
Entretanto, se para uns ela é missão, para outros é expiação. Além disso, para
chegarmos a ser perfeitos, “precisamos sofrer todas as vicissitudes da
existência corporal [...]” sem revoltas e sem atentarmos contra as Leis divinas.
Na questão 196 dessa obra, confirmam os Espíritos que “a vida material é uma
espécie de crisol ou de depurador” que nos permitirá melhorar, “evitando o mal
e praticando o bem; porém, somente ao cabo de mais ou menos longo tempo,
conforme os esforços que empreguem; somente após muitas encarnações ou depurações
sucessivas, atingem a finalidade para que tendem”. Na alínea a) dessa questão,
somos, finalmente, informados de que nosso “Espírito é tudo” e o “corpo é
simples veste que apodrece [...]”.
O desgosto da vida, “sem motivos plausíveis”, que certas pessoas
têm, surge da falta de fé, da ociosidade e da saciedade, explicam os Espíritos
a Allan Kardec na questão 943 da obra citada acima. O remédio é o trabalho
conforme nossas “aptidões naturais”, ou vocação, o que nos proporcionará
felicidade e as forças para “suportar as vicissitudes com tanto mais paciência
e resignação”. Somente a Deus cabe dispor de nossas vidas, explicam-nos os
Espíritos na questão 944.
Quando as religiões incorporarem em suas doutrinas as
verdades que Jesus lhes enviou, pelos Espíritos superiores, para o combate ao
materialismo, que tantos prejuízos vem causando à esperança de grande parte da
Humanidade, certamente, viveremos com otimismo e alegria. Pois estejamos certos
de que, por mais difíceis que sejam as nossas provas, com a força do amor e o
trabalho incansável em prol de uma sociedade melhor, um dia colheremos os bons
frutos de nossa fé e confiança em Deus. Eis o que nos informa Kardec sobre a
importância da revelação espírita para os tempos difíceis que vivemos:
Algumas pessoas,
dentre as mais céticas, se fazem apóstolos da fraternidade e do progresso, mas
a fraternidade pressupõe desinteresse, abnegação da personalidade. Onde há
verdadeira fraternidade, o orgulho é uma anomalia. Com que direito impondes um
sacrifício àquele a quem dizeis que, com a morte, tudo se lhe acabará; que
amanhã, talvez, ele não será mais do que uma velha máquina desmantelada e
atirada ao monturo? Que razões terá ele para impor a si mesmo uma privação
qualquer? Não será mais natural que trate de viver o melhor possível, durante
os breves instantes que lhe concedeis? Daí o desejo de possuir muito para
melhor gozar. Do desejo nasce a inveja dos que possuem mais e, dessa inveja à
vontade de apoderar-se do que a estes pertence, o passo é curto. Que é que o detém?
A lei? A lei, porém, não abrange todos os casos. Direis que a consciência, o
sentimento do dever, mas em que baseais o sentimento do dever? Terá razão de
ser esse sentimento, de par com a crença de que tudo se acaba com a vida? Onde
essa crença exista, uma só máxima é racional: cada um por si, não passando de
vãs palavras as ideias de fraternidade, de consciência, de dever, de
humanidade, mesmo de progresso.
Oh! Vós que
proclamais semelhantes doutrinas, não sabeis quão grande é o mal que fazeis à
sociedade, nem de quantos crimes assumis a responsabilidade! [...]” (KARDEC,
2016. Conclusão, it. III).
Um desses
crimes é o suicídio, pela falta de fé em Deus, ante as provas da vida,
decorrente das ideias materialistas. Por fim, complementando esses apontamentos,
lemos no último parágrafo da questão 957 desse mesmo livro que
A religião, a moral,
todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às Leis da Natureza.
Todas nos dizem, em princípio, que ninguém tem o direito de abreviar
voluntariamente a vida. Entretanto, por que não se tem esse direito? Por que
não é livre o homem de pôr termo aos seus sofrimentos? Ao Espiritismo estava
reservado demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é uma
falta, somente por constituir infração de uma lei moral, consideração de pouco
peso para certos indivíduos, mas também um ato estúpido, pois que nada ganha
quem o pratica, o contrário é que se dá, como no-lo ensinam não a teoria, porém
os fatos que ele nos põe sob as vistas (KARDEC, op. cit.).
Na Revista Espírita de maio de 1862, Allan Kardec publica belo artigo
intitulado Exéquias do Sr. Sansão, no
qual este nos informa que a morte é apenas mais um período de nossas vidas
imortais, mas somente é libertação e felicidade se houvermos vivido com
sabedoria, se superarmos com dignidade e conformação nossas provas. Então,
faz-nos o seguinte apelo: “[...] Coragem e boa vontade! Não ligueis aos bens da
Terra senão medíocre valor e sereis recompensados; não se pode gozar muito sem atentar
contra o bem-estar alheio,
e sem causar a si próprio um imenso mal” (KARDEC, 2009, p. 182).
Almerindo Martins de Castro (1978, p. 17) esclarece-nos
que “O verdadeiro sofrimento começa no momento do suicídio. Todas as narrativas
das vítimas de tal desvario são unânimes na descrição das dores ligadas ao
gênero de morte escolhido”. Em seguida, relata-nos alguns dos terríveis
sofrimentos informados pelos próprios Espíritos suicidas, seja em poesia ou em
prosa:
Se um veneno
corrosivo, o ardor insuportável da queimadura, destruindo todo o esôfago, o
estômago, os intestinos, na sensação máxima de intensidade; se um projétil de
arma de fogo, a dor do ferimento, permanente, tirânica, impedindo todo o
raciocínio – que não gire em torno desse sofrimento; se a asfixia, por mergulho
ou enforcamento, a absoluta falta de ar, a ânsia desesperada de respirar, nas
contorções desordenadas de quem luta com as derradeiras forças para não morrer;
se por incêndio das vestes, a inenarrável angústia da destruição das próprias
carnes, tortura que palavras não descrevem e arrancam da vítima verdadeiros
urros de dor, cruciantes e comovedores ao máximo da sensibilidade.
E assim veem as almas
suicidas escoar-se o tempo, sem mais noção dele, até completar-se o que lhes
estava marcado no relógio da vida terrena, quando reencarnaram.
E o suplício toma
vulto maior no pensamento e no sentir, porque o Espírito, no seu insulamento de
dor, perde a noção do tempo e tem a impressão de que vai sofrer eternamente.
Metido num círculo de
treva, formado pela própria vítima – que se isola de tudo para só pensar na sua
agrura – o Espírito cria a sensação de estar num deserto escuro, onde os seus
gritos e gemidos têm ressonâncias tétricas, e a sua voz jamais é escutada por
alguém.
Se percorre sítios
ligados à causa do suicídio, o Espírito sofre em todos, sentindo-se arrastado
num torvelinho, que não lhe permite raciocinar com acerto sobre nenhum dos
problemas do próprio "eu", pois tudo gira em torno da ideia central
que o levou ao crime de auto-homicídio.
Entrecortadamente,
chora, blasfema, suplica, num meio-delírio comovedor, mas irremediável.
A carne, rasgada pelo
gume de um punhal, necessita de imperioso período para cicatrização; a alma,
atingida pelo golpe esfacelador do suicídio, precisa de irrecorrível lapso de
sofrimento para balsamizar a lesão moral. São inúmeros e uniformes os
testemunhos.
Qualquer que seja a
condição social ou a crença religiosa, o réu desse crime contra a lei maior da
vida sofre, quase sempre revoltado, a pressão da incoercível força que o prende
num novo sofrimento, quando o motivo do suicídio foi precisamente o desejo de
fugir à dor, a amarguras intoleráveis de suportar. E, às vezes, a crença se
torna um aumentativo das aflições, porque o indivíduo a despreza e rejeita –
verificando-a impotente para atenuar o abatimento moral do que se acha no
patamar do despenhadeiro, por onde se resvala para mergulhar na morte. Mas,
consumado o ato criminoso, a realidade mostra afinal que o erro está em que as
criaturas não se amoldam aos imperativos do destino, e sim pretendem que a vida
se plasme aos seus gozos e interesses de toda ordem (CASTRO, 1978, p. 17 a 19).
Mesmo aquelas
pessoas que se suicidam imaginando ir para um lugar celestial, após a morte do
corpo físico, sofrem uma decepção e uma tortura moral imensas, quando percebem
o mal que causaram, não somente a si, como aos seus familiares e amigos. Diz
Castro (op. cit.): “ Não importa que pensamentos enganadores mascarem esse
atentado com as formas de um pretenso altruísmo ou com as factícias aparências
de um amor – que é apenas egoísmo disfarçado”.
Uma jovem
suicida, tida por seus irmãos de crença como alma boníssima, que iria
diretamente para o Céu quando morresse, era responsável pelo sustento da mãe
idosa e possuía emprego bem remunerado. Mas de tanto ouvir de todos os membros
de sua igreja a ideia de ir para o paraíso, quando morresse, acabou sendo
vítima de obsessão, uma das causas do suicídio, e matou-se, iludida com essas
previsões. Seu Espírito manifestou-se numa reunião mediúnica e relatou,
amargurado:
Minha desventura,
agora, não é feita de dores (que o meu corpo não teve), nem de remorsos, porque
jamais pratiquei mal contra o próximo; mas da contemplação dos sofrimentos de
minha infeliz mãe.
Fugindo da vida, eu
lhe causei a maior dor de toda a sua existência, e por mim ela chorou todas as
lágrimas dos seus olhos. Cada soluço, cada lamento dos seus lábios feriam-me a
alma, qual se fossem punhais de fogo. Depois, quando pude ver, aos meus olhares
surgiram os quadros da miséria, da fome e do frio que minha pobre mãezinha tem
curtido – depois que lhe faltou o sustento que eu lhe proporcionava com o fruto
do meu trabalho.
Rolando, em casa de
estranhos, por esmola, comendo do que sobra, mesmo contra o seu paladar;
vestindo restos de roupas, às vezes insuficientes para atenuar o frio; olhada
com indiferença por todos, ninguém lhe faz um carinho, nem lhe diz palavras de
consolo; ninguém lhe zela pela saúde, e muitas vezes ela se tem sentido morrer,
sem o socorro de qualquer medicação.
Tal é a minha tortura
de todos os instantes: o quadro dos sofrimentos de minha mãe não se afasta de
diante de mim. Dir-se-ia que em todo horizonte da minha visão não existe outra
perspectiva. O meu suplício espiritual lembra o da gota de água, caindo sobre a
cabeça do condenado – até perfurá-la – à força de bater ininterruptamente.
Coisa terrível o
suicídio! Horrível mentira, a promessa do Céu aos pobres pecadores, indignos
até do olhar de Jesus! (CASTRO, 1978, p. 20 e 21).
Os Espíritos amigos indicam-nos as seguintes virtudes,
decorrentes do amor, para que sejamos felizes, independentemente das provações
por que passarmos: abnegação e devotamento, com total desinteresse, em prol da
felicidade alheia. Viver com alegria sempre, por maiores que sejam as nossas
provações, é atitude inteligente, pois somos imortais. E, como disse Jesus,
simbolicamente, somos como árvores. Se elas forem boas, seus frutos serão
saborosos, caso contrário, não darão bons frutos. Concluamos, pois, com a frase
de otimismo do Espírito Joanna de Ângelis: “Faze, pois, da tua atual existência
um hino de louvor à Vida” (FRANCO, 2013, p. 169).
Referências
BOZZANO,
Ernesto. Pensamento e vontade. Tradução
de Manuel Quintão. 4. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1970.
______.
A crise da morte. Tradução de Guillon
Ribeiro. 11. ed. 2. imp. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2015.
CASTRO,
Almerindo Martins. O martírio dos
suicidas. 6. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1978, p. 17
a 21.
FRANCO, Divaldo
Pereira. Rejubila-te em Deus. Pelo
Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 2013. Amanhecer da imortalidade.
KARDEC,
Allan. O livro dos espíritos.
Tradução de Guillon Ribeiro. 93. ed. 2. imp. (ed. histórica). Brasília: FEB,
2016.
______.
Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, ano 4, n. 5, maio 1862. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. 2. reimp. Brasília: FEB, 2009.
(Pub.
em Reformador/FEB, ago. 2017.)
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