EVOLUÇÃO
INDIVIDUAL E COLETIVA
Jorge Leite de Oliveira
Na
questão 27 d’O livro dos espíritos,[1] somos informados da
existência de três elementos gerais no Universo: Deus, espírito e matéria. A
palavra espírito aqui, com inicial
minúscula, não se refere à individualidade, mas sim ao elemento inteligente do
Universo que formará as individualidades chamadas Espíritos. A ligação do espírito à matéria dá-se pelo princípio
vital, originado do fluido universal,
como lemos na questão 65 do livro citado (grifei).
Também o instinto se
origina da inteligência universal, de
acordo com o contido na questão 73 e 75 da obra citada. Ele pode guiar-nos para
o bem até mesmo com mais segurança do que a razão. Em comentário final à alínea
a) da questão 75, Allan Kardec esclarece-nos que “O instinto varia em suas
manifestações, conforme as espécies e as suas necessidades. Nos seres que têm a
consciência e a percepção das coisas exteriores, ele se alia à inteligência,
isto é, à vontade e à liberdade”.
É na questão 76, ao se
referir aos “seres inteligentes da Criação”, utiliza-se a palavra Espíritos “para designar as
individualidades dos seres extracorpóreos e não mais o elemento inteligente universal”.
Entretanto, como lemos na questão 79, o Espírito é a “individualização do
princípio inteligente”, como o corpo é “a individualização do princípio
material”. Só não nos é dado conhecer a “época e o modo dessa formação”.
A evolução do Espírito
dá-se, “não pela fieira do mal, mas pela da ignorância”. Têm, entretanto, o
livre-arbítrio. Aquele que optar sempre pelo bem, na escolha entre este o mal,
livra-se da influência dos Espíritos imperfeitos (q. 120 a 124).
Como o mundo espiritual é
“o principal na ordem das coisas” e “preexiste e sobrevive a tudo” (q. 85), na
análise da evolução do ser e da influência dos Espíritos em nossas existências físicas,
é importante citarmos a classificação dos Espíritos em seu “grau de
adiantamento”, como foi proposto a Allan Kardec e ele anotou nos itens 100 a
113 d’O livro dos espíritos:
A terceira ordem é a dos Espíritos imperfeitos, que abrange cinco
classes da décima à sexta classe, nesta sequência descendente de Espíritos: impuros; levianos; pseudossábios; neutros; e batedores e perturbadores.
Embora as diferentes denominações deem-nos a impressão de certa gradação
espiritual, todos eles foram enquadrados na categoria geral de Espíritos imperfeitos.
As características gerais
desses Espíritos são o predomínio da matéria
sobre o espírito, a propensão ao
mal, a ignorância, o orgulho, o egoísmo e todas as más paixões consequentes ao
egoísmo. A malícia, a leviandade, a irresponsabilidade de seus atos, mais do
que a pura maldade são características de alguns. Outros “não fazem o bem nem o
mal”. Os piores comprazem-se em fazer o mal. A inteligência se alia à maldade
em outros, mas seus conhecimentos são limitados e, por vezes, contraditórios, carregados de preconceitos. Esclarece-nos
Kardec, na questão 101, que “Todo Espírito que, em suas comunicações, trai um
mau pensamento, pode ser classificado na terceira ordem”.
A segunda ordem é a dos Espíritos bons. Essa ordem possui quatro
classes de Espíritos: benévolos; de ciência; de sabedoria; e superiores.
São características
desses Espíritos, o predomínio do Espírito sobre a matéria e “o desejo do bem”.
Diferenciam-se por possuírem, uns mais do que outros, ou a ciência; ou a
sabedoria; ou a bondade. Ainda não alcançaram a perfeição e, portanto, “não
estão ainda completamente desmaterializados”. Desfrutam a ventura dos bons, que
“compreendem Deus e o Infinito”. Estão livres dos sentimentos inferiores, como
o ciúme, a inveja, o remorso e qualquer paixão negativa. Amam-se profundamente
e sentem-se felizes pelo bem que fazem e pelo mal que evitam. Até atingirem a perfeição
completa, todos esses Espíritos ainda terão que passar por provas.
A primeira ordem possui
classe única dos Espíritos que não mais sofrem influência alguma da matéria.
Alcançaram toda a “perfeição de que é suscetível a criatura” e “estão livres das
provas e expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos
perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus” [...] (q. 113). São os Espíritos puros.
Feitas essas
considerações preliminares, que nos mostram a importância da vontade na escolha
entre o bem e o mal, com base no livre-arbítrio individual, que ocorre
paulatinamente, “[...] à medida que o Espírito desenvolve a consciência de si
mesmo” (q. 122), passemos à análise do que informa o Espírito Pascal na Revista Espírita de maio de 1865: “A
Humanidade é um ser coletivo que deve marchar, se não em seu conjunto, ao menos
por grupos, para o progresso do futuro [...]”.[2]
Segundo Pascal, há duas expressões
da verdade: a relativa, humana; e a absoluta, Divina. Com base na verdade
relativa, pois muitas coisas que desconhecemos estão nos mistérios de Deus,
ainda vedados ao nosso conhecimento, propomos, a seguir uma classificação
binária nos níveis desse ser coletivo
citado por Pascal: o ser coletivo comum
e o ser coletivo superior.
Características do ser coletivo comum: a) instinto pouco
diferenciado da razão; b) identidade de pensamentos, atos e falas em níveis
inferiores; c) pouca propensão para mudanças no estilo de vida; d)
conhecimentos limitados; e) predomínio das paixões inferiores e do interesse
pessoal; f) egoísmo e orgulho como fontes de todos os sentimentos negativos,
como a inveja, o ciúme, o ódio, a ambição pelas coisas materiais, a malquerença
etc.
Características do ser coletivo superior: a) instinto a serviço
da razão e do bem; b) harmonia de pensamentos, palavras e ações nobres; c)
inquietação permanente em auxiliar o próximo e aumentar seus conhecimentos
morais e intelectuais; d) conhecimentos superiores; e) predomínio das paixões
superiores e da abnegação; f) humildade e altruísmo como bases de sentimentos
positivos, tendo como meta a caridade no seu sentido mais amplo: “benevolência
para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros [e] perdão das
ofensas”.[3]
O Espírito Pascal ainda
nos esclarece, na Revista Espírita, que nos movemos e agitamos “sob a
influência de três causas, que são: a reflexão,
a inspiração e a revelação”. Em seguida, desenvolve seu raciocínio sobre cada uma
dessas causas:
A reflexão é a riqueza de vossas
lembranças, que agitais voluntariamente [...]. A inspiração é a influência dos Espíritos extraterrestres, que se
misturam mais ou menos às vossas próprias reflexões para vos compelir ao
progresso [...], a prova irrecusável de uma causa oculta que vos impulsiona
para frente, e sem a qual permaneceríeis estacionários [...]. A revelação é a mais elevada das forças
que agitam o Espírito do homem, porque vem de Deus e só se manifesta por sua
Vontade expressa [...].[4]
Deduz-se, das palavras de
Pascal, que os Espíritos enquadrados nas características de ser coletivo comum têm a reflexão como
móvel de suas ações. Sua característica principal, a nosso ver, é a do
predomínio das paixões inferiores, é o egoísmo, caracterizado como interesse
pessoal, mas comum a esse grupo. O egoísmo é o pai de todas as imperfeições
morais.
Após pergunta do
Codificador do Espiritismo sobre qual o “sinal mais característico da
imperfeição, ele obtém como resposta que é o “interesse pessoal”. E prossegue o
Espírito esclarecendo:
Muitas
vezes as qualidades morais se assemelham, como num objeto de cobre, à douração
que não resiste à pedra de toque. Um homem pode possuir qualidades reais que
levem o mundo a considerá-lo homem de bem, mas essas qualidades, embora
assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas, bastando algumas
vezes que se fira a corda do interesse pessoal para que o fundo fique a
descoberto. O verdadeiro desinteresse é coisa tão rara na Terra que é admirado
como fenômeno quando se manifesta.
O apego às coisas materiais
constitui sinal notório de inferioridade, porque, quanto mais o homem se aferra
aos bens deste mundo, tanto menos compreende o seu destino. Pelo desinteresse,
ao contrário, ele prova que vê o futuro de um ponto de vista mais elevado.[5]
Por
outro lado, a inspiração que nos leva
ao progresso, ao se misturar com nossas reflexões, segundo Pascal, aplica-se à participação
dos bons Espíritos, que influem de tal modo, em nossos pensamentos e atos que,
frequentemente, eles nos dirigem.[6] Todavia, se somos
influenciados pelos bons, também o somos pelos maus Espíritos. Daí a
necessidade de vigiar e orar, recomendada por Jesus e citada por Mateus, 26:4:
“Vigiai e orai, para que não entreis em tentação [...]”.
No
que se refere à individualidade integrada no ser coletivo superior, prevalece o “desinteresse pessoal pelo bem
do próximo, sem segundas intenções”. Ou seja, a sublimidade das virtudes está
“na mais desinteressada caridade”.[7]
Analisando-se
as características das individualidades do ser
coletivo comum ou do ser coletivo
superior, e feito um honesto autoexame de consciência, podemos observar em
nós o enquadramento total ou parcial na primeira ou na segunda categoria.
Entretanto, para que possamos nos enquadrar na categoria dos seres plenamente
integrados ao ser coletivo superior,
antes de qualquer outra coisa, precisamos despertar, como recomenda Paulo aos
Efésios, lembrando o apelo a Isaías, 51:17 ao despertamento de Jerusalém: “Desperta,
ó tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá” (Efésios,
5:14).
Comentando
esse versículo paulino, exorta-nos o Espírito Emmanuel:
Grande número de adventícios ou não
aos círculos do Cristianismo acusa fortes dificuldades na compreensão e
aplicação dos ensinamentos de Jesus. Alguns encontram obscuridades nos textos,
outros perseveram nas questiúnculas literárias. Inquietam-se, protestam e
rejeitam o pão divino pelo envoltório humano de que necessitou para preservar-se
na Terra.
Esses amigos, entretanto, não
percebem que isto ocorre porque permanecem dormindo, vítimas de paralisia das
faculdades superiores.
Na maioria das ocasiões, os
convites divinos passam por eles, sugestivos e santificantes; todavia, os companheiros
distraídos interpretam-nos por cenas sagradas, dignas de louvor, mas depressa
relegadas ao esquecimento. O coração não adere, dormindo amortecido, incapaz de
analisar e compreender.
A criatura necessita indagar de si
mesma o que faz, o que deseja, a que propósitos atende e a que finalidades se
destina.
Faz-se indispensável examinar-se, emergir da animalidade e erguer-se para
senhorear o próprio caminho.
Grandes massas, supostamente
religiosas, vão sendo conduzidas, através das circunstâncias de cada dia, quais
fileiras de sonâmbulos inconscientes. Fala-se
em Deus, em fé e em espiritualidade qual se respirassem na estranha atmosfera
de escuro pesadelo. Sacudidas pela corrente incessante do rio da vida,
rolam no turbilhão dos acontecimentos, enceguecidas, dormentes e semimortas até
que despertem e se levantem, pelo esforço pessoal, a fim de que o Cristo as
esclareça.[8] (grifos meus).
Os seres humanos que
ainda se situam, predominantemente, na categoria do ser coletivo comum dirão que o conteúdo dessa mensagem é excelente
para fulana ou sicrano, mas não para si. E, julgando-se mentes privilegiadas na
interpretação da verdade, sentem-se na obrigação de impor seus conhecimentos ao
próximo, de quem não aceitam controvérsias. Tais pessoas, dificilmente admitem
que podem estar equivocadas. Algumas, por orgulho, mesmo que percebam ter
transitado por avenida contrária à do “caminho, verdade e vida”, que é o Cristo,
continuam combatendo seus irmãos que se mantêm fieis ao roteiro traçado pelo
Senhor.
As individualidades
humanas situadas na categoria do ser
coletivo superior, prevalentemente, lerão o texto manuelino como um alerta pessoal,
a fim de corrigirem em si os defeitos que observam no próximo. Desse modo, buscarão
a inspiração do Plano Superior e a sintonia com Deus, a quem Jesus reitera
nossa necessidade de amar sobre todas as coisas, com o objetivo de trabalhar em
nós a humildade e o amor ao bem desinteressado.
Isso implica em estudar
sempre, aprender com os próprios erros, que reconheçam sem vaidade ferida, e
fazer de suas vidas um permanente exercício da caridade, qual foi ensinada a
todos nós e transmitida a Allan Kardec pelo Espírito de Verdade. Só estará em
condições de captar plenamente a influência da revelação, como Verdade Divina, a coletividade dos Espíritos superiores plenamente identificada com o
Cristo. Participam dela os seres que, conforme afirma Emmanuel, despertam e se
levantam, “pelo esforço pessoal”, por seu incessante serviço no bem. Até que, pela aquisição de conhecimentos
morais e intelectuais, se tornem Espíritos puros e, como tais, passem a fazer
parte da comunidade dos Espíritos Crísticos, Ungidos ou Messias Divinos, quando
já não sofrerão nenhuma influência da matéria, mas, pelo contrário, terão total
domínio sobre esta.
[1]
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
4. imp. Brasília: FEB, 2017.
[2]
______, Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos.ano
8, n. 5, maio 1865. Dissertações espíritas, it. III A Verdade. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2015.
[3]
______. O livro dos espíritos. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 4. impr. Brasília: FEB, 2017, q. 886.
[4]
______. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos.ano
8, n. 5, maio 1865. Dissertações espíritas, it. III A Verdade. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2015.
[5]
______. O livro dos espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 4. ed., 4. impr. Brasília: FEB, 2017, q. 895.
[6]
______. ______. q. 459.
[7]
______. ______. q. 893.
[8]
XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso.
Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2016, cap. 68 Necessário
acordar.
Publicado em Reformador de
junho de 2018. Brasília: FEB.
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