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quinta-feira, 2 de julho de 2020




A matéria, o espírito e O Livro dos Espíritos
Jorge Leite de Oliveira

Segundo Setzer (2015), a “visão de mundo” materialista somente aceita "a existência de fenômenos físicos no universo, o qual se compõe exclusivamente de "matéria e energias físicas, das quais resultam todos os fenômenos que impressionam nossos sentidos".
Para Harari (2015), o curso da história decorre de três grandes revoluções provocadas pela espécie animal chamada Homo Sapiens, que teriam dado início à nossa árvore genealógica atual: as revoluções cognitiva, agrícola e científica. Nossa espécie teria começado as culturas, que, por sua vez, originaram a História conhecida, de 70 mil anos para cá, embora estudos revelem-nos que os seres humanos já existiam na Terra há cerca de 2,5 milhões de anos.
A primeira revolução, cognitiva, teria ocorrido cerca de 70.000 anos atrás, quando seríamos “caçadores-coletores”. A segunda revolução, que Harari chama de agrícola, surgiria em torno de 12.000 anos atrás; e a terceira, a científica, data de apenas 500 anos.
Há ainda a revolução industrial, surgida há 200 anos, quando o Estado e o mercado substituem a ascendência sobre os membros das famílias e das comunidades, cujos resultados, para o sistema ecológico, vem sendo catastrófico, com a extinção de vegetais e animais (Harari, 2015).
As teorias de Yuval Noah Harari, doutor em História e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, baseiam-se em suas pesquisas sobre história e biologia, e sua obra se tornou best-seller internacional, sendo seu livro, intitulado Uma breve história da humanidade, publicado em quarenta países. Entretanto, estacam-se as explicações científicas, ainda que o autor aborde a evolução das crenças, desde o animismo até as grandes religiões, por falta de um elo entre estas e as ciências materialistas.
Muitas são as contradições materialistas. Uma delas é a não explicação de algo muito simples: para que o aprofundamento em tantas hipóteses meramente materiais, se o Espírito nada mais fosse do que fruto das sinapses (transmissão dos impulsos cerebrais pelos neurônios), que produzem essa efêmera energia? Não seria melhor, então, viver apenas na satisfação dos nossos instintos animais, uma vez que, nesse sentido, pouca diferença haveria entre nós e eles?
Segundo, toda vez que essa ciência esbarra em algo inexplicável pelas leis da matéria, seu pesquisador diz: “não sabemos”. Exemplo: “Como é possível que hoje tenhamos mísseis intercontinentais com ogivas nucleares, se há 30 mil anos tínhamos apenas lanças com pontas de sílex? Fisiologicamente, não houve qualquer melhoria significativa em nossa capacidade de confeccionar ferramenta nos últimos 30 mil anos” (HARARI, 2015, p. 47). Ou seja, se nosso cérebro não sofreu qualquer alteração ao longo de milhares de anos, como explicar essa evolução cognitiva? Quando nasci, toda a invenção tecnológica atual não passava de ficção científica. Ninguém imaginava, nessa época, que alguém pudesse ter um aparelhinho que nos pudesse conectar com o mundo em segundos, fazer selfies, permitir a comunicação com um robô, etc. Tudo isso em menos de cinquenta anos.
Diz ainda o citado historiador que,

Depois de séculos de pesquisas científicas, os biólogos admitem que ainda não têm uma boa explicação para como o cérebro gera consciência. Os físicos admitem que não sabem o que causou o Big Bang, ou como conciliar a mecânica quântica com a Teoria da Relatividade (HARARI, 2015, p. 263).

Em sua abordagem sobre “a lei da religião”, Harari faz uma constatação muito séria, que demonstra a contradição religiosa do ser humano, o qual, embora adorando um só Deus, em seu nome, mata mais do que todas as guerras iniciadas sem essa motivação. Mas não procede sua afirmação categórica de que não há no Antigo Testamento (AT) informação sobre a sobrevivência da alma após a morte física.  Logo na Gênese, primeiro livro do AT, encontramos diversos relatos sobre manifestações dos Espíritos, o que atesta sua vida póstuma, após a morte do corpo, como, por exemplo, a dos três varões, denominados anjos, que aparecem a Abraão e com ele conversam (cap. 18).
No capítulo seguinte, Ló é visitado por dois “anjos”. E, em contestação a quem só admite a manifestação de anjos e santos, além da de Deus, no capítulo 28 do livro de I Samuel, este é evocado por Saul, com quem conversa e lhe prediz o gênero de morte que este teria, por intermédio de uma mulher, chamada, à época, de "feiticeira".
Os “feiticeiros, magos, profetas e pitonisas" eram os médiuns da antiguidade. Não somente no AT, como também no Novo Testamento, os casos de revelações espirituais, quer fossem pelos sonhos ou por aparições de Espíritos, são abundantes, como as que ocorreram no sonho de Jacó, de José, no antigo Egito, nas visões de  Zacarias, de Maria, etc.
Embora a doutrina de Sócrates e Platão seja analisada por Kardec como precursora do Cristianismo e do Espiritismo (Introdução ao Evangelho segundo o espiritismo), considera-se Emanuel Swedenborg (1688- 1772) como um precursor da Doutrina Espírita. Possuidor de vasto conhecimento e clarividente, Swedenborg revelou, em suas obras intituladas Céu e inferno, A nova Jerusalém e Arcana celeste, a existência do mundo espiritual, do qual a vida física é mera cópia (DOYLE, 2015, p. 26).
Outro precursor do Espiritismo foi Andrew Jackson Davis (1826- 1910), chamado de “o profeta da Nova Revelação”, entre outras denominações, ele fez diversas profecias. Uma delas foi a do surgimento, em 31 de março de 1848, dos fenômenos mediúnicos que dariam origem ao Espiritismo. Anotou, na manhã desse dia, o seguinte: “Esta madrugada um sopro fresco passou pelo meu rosto, e ouvi uma voz suave e firme, dizer-me: ‘Irmão, foi dado início a um bom trabalho: contempla a demonstração viva que surge’. Pus-me a cismar no significado de tal mensagem” (WANTUIL; THIESEN, 2004, v. I, p. 292).
Exatamente na citada noite, em Hydesville, as irmãs Fox  comunicar-se-iam com o Espírito de um mascate, assassinado em sua cabana. Esse fato daria início a todos os fenômenos mediúnicos nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa.
Embora possuísse precários estudos escolares, Andrew Jackson Davis escreveu mediunicamente uma série de livros intitulados, genericamente, Filosofia harmônica, seguida por outra obra denominada Revelações divinas da natureza, sob a direção do Espírito Emanuel Swedenborg, seu guia espiritual.
O dom observado nas irmãs Fox, chamadas Margaret, Kate e Leah, também foi manifestado em outras pessoas que, ao contato de suas mãos com uma mesa, esta se erguia, batia com os pés e respondia, por meio de um código inventado, às perguntas formuladas por quem estivesse presente. As respostas faziam sentido, pois eram dadas por inteligências invisíveis que afirmavam ser pessoas falecidas, segundo informações de Wantuil; Thiesen, (2004, v. I, p. 250).
Esse fenômeno espalhou-se pela Europa e ficou conhecido como “as mesas girantes”, despertando a atenção do pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, discípulo de Pestalozzi, autor de várias obras pedagógicas premiadas, fundador de cursos, escolas de línguas e ciências e pesquisador do magnetismo, há 26 anos, na França. Desconfiado, no início, tendo em vista sua formação positivista, o professor Rivail, a partir de maio de 1855 (op. cit., p. 264), passaria a frequentar a residência de diversos médiuns, alguns deles muito jovens, como Julie Baudin, 15 anos, Caroline Baudin, 16 anos, Ruth Japhet e Aline Carlotti, ambas com 20 anos.
Embora a primeira reunião mediúnica assistida por Denizard Rivail tivesse ocorrido na residência da Srª Plainemaison, em maio de 1855 (KARDEC, 2009, p. 348), Allan Kardec, pseudônimo adotado por Rivail, publicou, a primeira edição de O livro dos espíritos a partir de suas anotações sobre as comunicações dos Espíritos, “nas sessões com as senhoritas Baudin, em 1855” (WANTUIL, THIESEN, 2004, v. I, p. 196). E também com base nas anotações reunidas em cinquenta cadernos, decorrentes de cinco anos de estudos dos fenômenos, recebidos pela Srta. Japhet, “sonâmbula, além de “mais de uma dezena de médiuns” (id., p. 272).
Em 18 de abril de 1857, veio a público a primeira edição de O livro dos espíritos, “em formato grande”, com 501 questões respondidas e “com 176 páginas de texto”, distribuídas em duas colunas, conforme foi reproduzido, na edição bilíngue, publicada pela Federação Espírita Brasileira (FEB) em 2013, com tradução de Evandro Noleto Bezerra. A segunda edição foi ampliada para 1019 questões e traduzida por Guillon Ribeiro desde a primeira edição febiana.
Edição histórica bilíngue traduzida por Evandro Noleto Bezerra.

A ampliação da obra deveu-se a um esclarecimento inicial de Kardec, segundo Wantuil; Thiesen (2004, v. I, p. 315), sobre a necessidade de editar uma segunda parte, em prosseguimento ao “ensino dado pelos Espíritos”.  Todavia, em vez de publicar uma segunda parte, o Codificador do Espiritismo, cognome pelo qual Allan Kardec também ficou conhecido, “inspirado pelo Espírito de Verdade, cuja ação era constante ao seu derredor” (id., p. 316), optou por lançar a segunda edição com o complemento de “várias questões doutrinárias” (loc. cit.), para 1019 perguntas e respostas. A obra definitiva de O livro dos espíritos foi publicada em 18 de março de 1860, e anunciada pela Revue Spirite, em março de 1860, com o aviso do seu autor sobre o porquê dessa segunda edição “inteiramente refundida e consideravelmente aumentada” (id., p. 317).

Edição histórica traduzida por Guillon Ribeiro


O livro dos espíritos, assim como a Doutrina Espírita, conforme foi exposto por Allan Kardec, em diversas ocasiões, são obras dos Espíritos,

[...] seres reais, tendo a sua individualidade e uma forma determinada. Deles se pode fazer uma ideia aproximativa pela explicação seguinte:
Há no homem três coisas essenciais: 1º) a alma ou Espírito, princípio inteligente no qual residem o pensamento, a vontade e o senso moral: 2º) o corpo, envoltório material, pesado e grosseiro, que põe o Espírito em relação com o mundo exterior; 3º) o perispírito, envoltório fluídico, extremamente sutil, servindo de laço e intermediário entre o Espírito e o corpo (KARDEC, 2006, p 27).

Não somos, pois, como imaginam os teóricos da matéria, um composto orgânico, puramente material, que se dissolverá no túmulo. A vida tem, sim, um sentido. Fomos criados para alcançar a perfeição na eternidade. E quanto mais perfeitos formos, mais felizes seremos. Com o surgimento de O livro dos espíritos, cumpre-se a promessa de Jesus contida no cap. 14: 16 a 18, do Evangelho de João:

Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre. O Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós. Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós.

Referências

DOYLE, Arthur. A história do espiritualismo:  de Swedenborg ao início do século XX. Tradução de José Carlos da Silva Silveira. Brasília: FEB, 2013.
HARARI, Yuval Noah. Uma breve história da humanidade. Tradução de Janaína Marcoantônio. 8. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2015.
KARDEC, Allan. Obras póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2009.
______. O livro dos espíritos. Edição histórica bilíngue. Tradução de Evandro Noleto Bezerra da lª ed. francesa. Brasília: FEB, 2013.
­­­­––––––. O espiritismo na sua expressão mais simples e outros opúsculos de Kardec. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006.
SETZER, Valdemar W. Ciência, Religião e Espiritualidade. Última versão: 28/6/2015. Disponível em: <www.ime.usp.br/~vwsetzer>. Acesso em: 16 jan. 2017.
WANTUIL, Zeus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec. Rio de Janeiro: FEB, 2004, v. I.

(public. em Reformador/FEB de abr. 17)


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