A
matéria, o espírito e O Livro dos Espíritos
Segundo
Setzer (2015), a “visão de mundo” materialista somente aceita "a
existência de fenômenos físicos no universo, o qual se compõe exclusivamente de
"matéria e energias físicas, das quais resultam todos os fenômenos que
impressionam nossos sentidos".
A
primeira revolução, cognitiva, teria ocorrido cerca de 70.000 anos atrás,
quando seríamos “caçadores-coletores”. A segunda revolução, que Harari chama de
agrícola, surgiria em torno de 12.000 anos atrás; e a terceira, a científica,
data de apenas 500 anos.
Há
ainda a revolução industrial, surgida há 200 anos, quando o Estado e o mercado
substituem a ascendência sobre os membros das famílias e das comunidades, cujos
resultados, para o sistema ecológico, vem sendo catastrófico, com a extinção de
vegetais e animais (Harari, 2015).
As
teorias de Yuval Noah Harari, doutor em História e professor da Universidade
Hebraica de Jerusalém, baseiam-se em suas pesquisas sobre história e biologia,
e sua obra se tornou best-seller
internacional, sendo seu livro, intitulado Uma
breve história da humanidade, publicado em quarenta países. Entretanto,
estacam-se as explicações científicas, ainda que o autor aborde a evolução das
crenças, desde o animismo até as grandes religiões, por falta de um elo entre
estas e as ciências materialistas.
Muitas
são as contradições materialistas. Uma delas é a não explicação de algo muito
simples: para que o aprofundamento em tantas hipóteses meramente materiais, se
o Espírito nada mais fosse do que fruto das sinapses
(transmissão dos impulsos cerebrais pelos neurônios), que produzem essa efêmera
energia? Não seria melhor, então, viver apenas na satisfação dos nossos
instintos animais, uma vez que, nesse sentido, pouca diferença haveria entre
nós e eles?
Segundo,
toda vez que essa ciência esbarra em algo inexplicável pelas leis da matéria,
seu pesquisador diz: “não sabemos”. Exemplo: “Como é possível que hoje tenhamos mísseis
intercontinentais com ogivas nucleares, se há 30 mil anos tínhamos apenas
lanças com pontas de sílex? Fisiologicamente, não houve qualquer melhoria
significativa em nossa capacidade de confeccionar ferramenta nos últimos 30 mil
anos”
(HARARI, 2015, p. 47). Ou seja, se nosso cérebro não sofreu qualquer alteração
ao longo de milhares de anos, como explicar essa evolução cognitiva? Quando
nasci, toda a invenção tecnológica atual não passava de ficção científica.
Ninguém imaginava, nessa época, que alguém pudesse ter um aparelhinho que nos
pudesse conectar com o mundo em segundos, fazer selfies, permitir a comunicação com um robô, etc. Tudo isso em
menos de cinquenta anos.
Diz
ainda o citado historiador que,
Depois de séculos de pesquisas
científicas, os biólogos admitem que ainda não têm uma boa explicação para como
o cérebro gera consciência. Os físicos admitem que não sabem o que causou o Big
Bang, ou como conciliar a mecânica quântica com a Teoria da Relatividade
(HARARI, 2015, p. 263).
Em
sua abordagem sobre “a lei da religião”, Harari faz uma constatação muito
séria, que demonstra a contradição religiosa do ser humano, o qual, embora
adorando um só Deus, em seu nome, mata mais do que todas as guerras iniciadas sem
essa motivação. Mas não procede sua afirmação categórica de que não há no Antigo Testamento (AT) informação sobre
a sobrevivência da alma após a morte física.
Logo na Gênese, primeiro livro
do AT, encontramos diversos relatos sobre manifestações dos Espíritos, o que
atesta sua vida póstuma, após a morte do corpo, como, por exemplo, a dos três
varões, denominados anjos, que aparecem a Abraão e com ele conversam (cap. 18).
No
capítulo seguinte, Ló é visitado por dois “anjos”. E, em contestação a quem só
admite a manifestação de anjos e santos, além da de Deus, no capítulo 28 do
livro de I Samuel, este é evocado por Saul, com quem conversa e lhe prediz o
gênero de morte que este teria, por intermédio de uma mulher, chamada, à época,
de "feiticeira".
Os
“feiticeiros, magos, profetas e pitonisas" eram os médiuns da antiguidade. Não somente no AT, como também no Novo
Testamento, os casos de revelações espirituais, quer fossem pelos sonhos ou por
aparições de Espíritos, são abundantes, como as que ocorreram no sonho de Jacó,
de José, no antigo Egito, nas visões de
Zacarias, de Maria, etc.
Embora
a doutrina de Sócrates e Platão seja analisada por Kardec como precursora do
Cristianismo e do Espiritismo (Introdução ao Evangelho segundo o espiritismo), considera-se Emanuel Swedenborg
(1688- 1772) como um precursor da Doutrina Espírita. Possuidor de vasto
conhecimento e clarividente, Swedenborg revelou, em suas obras intituladas Céu e inferno, A nova Jerusalém e Arcana celeste, a existência do mundo espiritual,
do qual a vida física é mera cópia (DOYLE, 2015, p. 26).
Outro
precursor do Espiritismo foi Andrew Jackson Davis (1826- 1910), chamado de “o
profeta da Nova Revelação”, entre outras denominações, ele fez diversas
profecias. Uma delas foi a do surgimento, em 31 de março de 1848, dos fenômenos
mediúnicos que dariam origem ao Espiritismo. Anotou, na manhã desse dia, o
seguinte: “Esta madrugada um sopro fresco passou pelo meu rosto, e ouvi uma voz
suave e firme, dizer-me: ‘Irmão, foi dado início a um bom trabalho: contempla a
demonstração viva que surge’. Pus-me a cismar no significado de tal mensagem”
(WANTUIL; THIESEN, 2004, v. I, p. 292).
Exatamente
na citada noite, em Hydesville, as irmãs Fox
comunicar-se-iam com o Espírito de um mascate, assassinado em sua cabana.
Esse fato daria início a todos os fenômenos mediúnicos nos Estados Unidos e,
posteriormente, na Europa.
Embora
possuísse precários estudos escolares, Andrew Jackson Davis escreveu
mediunicamente uma série de livros intitulados, genericamente, Filosofia harmônica, seguida por outra
obra denominada Revelações divinas da
natureza, sob a direção do Espírito Emanuel Swedenborg, seu guia
espiritual.
O
dom observado nas irmãs Fox, chamadas Margaret, Kate e Leah, também foi
manifestado em outras pessoas que, ao contato de suas mãos com uma mesa, esta
se erguia, batia com os pés e respondia, por meio de um código inventado, às
perguntas formuladas por quem estivesse presente. As respostas faziam sentido,
pois eram dadas por inteligências invisíveis que afirmavam ser pessoas
falecidas, segundo informações de Wantuil; Thiesen, (2004, v. I, p. 250).
Esse
fenômeno espalhou-se pela Europa e ficou conhecido como “as mesas girantes”,
despertando a atenção do pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail,
discípulo de Pestalozzi, autor de várias obras pedagógicas premiadas, fundador de
cursos, escolas de línguas e ciências e pesquisador do magnetismo, há 26 anos,
na França. Desconfiado, no início, tendo em vista sua formação positivista, o
professor Rivail, a partir de maio de 1855 (op. cit., p. 264), passaria a
frequentar a residência de diversos médiuns, alguns deles muito jovens, como Julie
Baudin, 15 anos, Caroline Baudin, 16 anos, Ruth Japhet e Aline Carlotti, ambas
com 20 anos.
Embora
a primeira reunião mediúnica assistida por Denizard Rivail tivesse ocorrido na
residência da Srª Plainemaison, em maio de 1855 (KARDEC, 2009, p. 348), Allan
Kardec, pseudônimo adotado por Rivail, publicou, a primeira edição de O livro dos espíritos a partir de suas anotações
sobre as comunicações dos Espíritos, “nas sessões com as senhoritas Baudin, em
1855” (WANTUIL, THIESEN, 2004, v. I, p. 196). E também com base nas anotações
reunidas em cinquenta cadernos, decorrentes de cinco anos de estudos dos
fenômenos, recebidos pela Srta. Japhet, “sonâmbula, além de “mais de uma dezena
de médiuns” (id., p. 272).
Em
18 de abril de 1857, veio a público a primeira edição de O livro dos espíritos, “em formato grande”, com 501 questões
respondidas e “com 176 páginas de texto”, distribuídas em duas colunas,
conforme foi reproduzido, na edição bilíngue, publicada pela Federação Espírita
Brasileira (FEB) em 2013, com tradução de Evandro Noleto Bezerra. A segunda
edição foi ampliada para 1019 questões e traduzida por Guillon Ribeiro desde a
primeira edição febiana.
A ampliação da obra deveu-se a um esclarecimento inicial de Kardec, segundo Wantuil; Thiesen (2004, v. I, p. 315), sobre a necessidade de editar uma segunda parte, em prosseguimento ao “ensino dado pelos Espíritos”. Todavia, em vez de publicar uma segunda parte, o Codificador do Espiritismo, cognome pelo qual Allan Kardec também ficou conhecido, “inspirado pelo Espírito de Verdade, cuja ação era constante ao seu derredor” (id., p. 316), optou por lançar a segunda edição com o complemento de “várias questões doutrinárias” (loc. cit.), para 1019 perguntas e respostas. A obra definitiva de O livro dos espíritos foi publicada em 18 de março de 1860, e anunciada pela Revue Spirite, em março de 1860, com o aviso do seu autor sobre o porquê dessa segunda edição “inteiramente refundida e consideravelmente aumentada” (id., p. 317).
O livro dos espíritos,
assim como a Doutrina Espírita, conforme foi exposto por Allan Kardec, em
diversas ocasiões, são obras dos Espíritos,
[...] seres reais, tendo a sua
individualidade e uma forma determinada. Deles se pode fazer uma ideia
aproximativa pela explicação seguinte:
Há no homem três coisas essenciais:
1º) a alma ou Espírito, princípio inteligente no qual residem o pensamento, a
vontade e o senso moral: 2º) o corpo, envoltório material, pesado e grosseiro,
que põe o Espírito em relação com o mundo exterior; 3º) o perispírito,
envoltório fluídico, extremamente sutil, servindo de laço e intermediário entre
o Espírito e o corpo (KARDEC, 2006, p 27).
Não
somos, pois, como imaginam os teóricos da matéria, um composto orgânico,
puramente material, que se dissolverá no túmulo. A vida tem, sim, um sentido.
Fomos criados para alcançar a perfeição
na eternidade. E quanto mais perfeitos
formos, mais felizes seremos. Com o surgimento de O livro dos espíritos, cumpre-se a promessa de Jesus contida no
cap. 14: 16 a 18, do Evangelho de João:
Se me amardes, guardareis os meus
mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, para que
fique convosco para sempre. O Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber
porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco e
estará em vós. Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós.
Referências
DOYLE,
Arthur. A história do espiritualismo:
de Swedenborg ao início do século XX.
Tradução de José Carlos da Silva Silveira. Brasília: FEB, 2013.
HARARI,
Yuval Noah. Uma breve história da
humanidade. Tradução de Janaína Marcoantônio. 8. ed. Porto Alegre, RS:
L&PM, 2015.
KARDEC,
Allan. Obras póstumas. Tradução de
Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2009.
______.
O livro dos espíritos. Edição
histórica bilíngue. Tradução de Evandro Noleto Bezerra da lª ed. francesa.
Brasília: FEB, 2013.
––––––.
O espiritismo na sua expressão mais
simples e outros opúsculos de Kardec. Tradução de Evandro Noleto Bezerra.
Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006.
SETZER,
Valdemar W. Ciência, Religião e Espiritualidade. Última versão: 28/6/2015. Disponível
em: <www.ime.usp.br/~vwsetzer>. Acesso em: 16 jan. 2017.
WANTUIL, Zeus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec. Rio de Janeiro: FEB, 2004, v. I.
WANTUIL, Zeus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec. Rio de Janeiro: FEB, 2004, v. I.
(public. em Reformador/FEB de abr. 17)
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