O ESPIRITISMO, A
MISSÃO DO BRASIL E DA FEB
Jorge Leite de Oliveira
Prédio frontal da FEB em Brasília. SGAN 603, Conj. F, Av. L2 Norte
Em Jerusalém, ao narrar a Parábola dos vinhateiros homicidas, na
qual se referia à morte dos profetas pelos judeus, Jesus diz a estes que, assim
como assassinaram aqueles, também o matariam. “Por isso — conclui — vos afirmo
que o Reino de Deus vos será tirado e confiado a um povo que o fará produzir
seus frutos [...]” (Mateus, 21: 33- 43). E João, 14:15-16, registra
a promessa do Cristo de enviar-nos outro Consolador,
para permanecer conosco para sempre.
Passaram-se
os séculos e, em 18 de abril de 1857, a primeira edição d’O livro dos espíritos iniciaria o pujante trabalho dos Espíritos,
cuja obra seria ampliada por outros quatro livros e a Revista Espírita. Esse trabalho teve, em Allan Kardec, seu
organizador metódico e autor inspirado de grande número de comentários, os
quais demonstram sua destacada missão a serviço do Cristo. Iniciava-se assim a
promessa de Jesus narrada por João no citado capítulo 14 e em 16:12 a 14:
Tenho ainda muito que vos dizer, mas não podeis agora suportar.
Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos guiará na verdade plena, pois não
falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas
futuras. Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará
(BÍBLIA de Jerusalém, 2004).
Segundo
Mary Del Priori (2014, p. 63), já em 1860 Casimir Lieutaud publica o primeiro
livro espírita no Brasil, intitulado Os
tempos estão chegados, cuja influência, na divulgação da Doutrina Espírita
em nosso país, foi muito grande. Lieutaud, professor francês, “dono do renomado Colégio Francês”, foi
correspondente do baiano Luiz Olímpio Teles de Menezes, “a quem incentivava
contra as forças conservadoras da Igreja”.
Em abril de 1861, o Espírito
Massilon transmite-nos poética mensagem, publicada por Kardec na Revista Espírita, cuja frase final foi a
seguinte: “Esta criança não tem pátria; percorre toda a Terra, procurando o
povo que há de ser o primeiro a arvorar a sua bandeira, e esse povo será o mais
poderoso entre os povos, pois tal é a vontade de Deus” (In KARDEC, 2004, p. 193).
Em 1865,
Teles de Menezes fundou a primeira Sociedade Espírita na Bahia. E em 1872 foi
fundado o Grupo Confúcio no Rio de Janeiro. Deste grupo, formar-se-ia a
Federação Espírita Brasileira (FEB) em 1º de janeiro de 1884.
Em 1869, Teles de Menezes lançou o
primeiro jornal espírita do Brasil: O
Eco de Além-Túmulo. De cada assinatura vendida,
ele destinava mil réis para a compra de cartas de alforria para a libertação de
crianças escravas nascidas na pátria brasileira.
Sobre esse
periódico, disse Allan Kardec que era preciso “grande coragem de opinião para
criar, num país refratário”, como o nosso, um jornal destinado a popularizar os
ensinamentos espíritas. Destacamos o seguinte, do longo e belo trecho de Teles
de Menezes, citado por Kardec na Revista
Espírita de novembro de 1869:
A ação
moralizadora do Espiritismo se demonstra quando consideramos que o egoísmo,
essa chaga cancerosa da Humanidade, engendrada pelo materialismo, negação
formal de todo princípio religioso, se acha profundamente abalado por esta
aurora celestial, que o Todo-Poderoso, em sua infinita misericórdia, dignou-se
a enviar à Terra como precursora dessa nova e bem-aventurada Era, em que os
homens, melhor compreendendo os seus deveres recíprocos, de boa vontade
cumprirão os salutares preceitos de Jesus: “Ama ao Senhor teu Deus de todo o
teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Tudo o que queres
que te façam os homens, faz também a eles”.
Em 1875 e 1876, as primeiras traduções das obras básicas de
Allan Kardec para o português já haviam sido feitas por Joaquim Carlos Travassos, membro do Grupo Confúcio, no
Rio de Janeiro. E Augusto Elias da Silva, em 21 de janeiro de 1883, fundou a
revista Reformador, que se tornaria o
mensário de divulgação do Espiritismo Cristão da FEB. Esta revista, atualmente,
é um dos mais antigos periódicos espíritas do Brasil, ao longo de seus 137 anos
de existência.
Informa-nos Luciano dos Anjos que,
Anos depois, em 1920, a espiritualidade faz a primeira menção
direta ao Brasil. Na Casa de Ismael, a Federação Espírita Brasileira, o médium
Albino Teixeira recebe a célebre mensagem assinada pelo Espírito da Verdade,
confirmando a missão do “rincão de Santa Cruz”: “A árvore do Evangelho, semeada
há dois mil anos na Palestina, eu a transplantei para o rincão de Santa Cruz,
onde o meu olhar se fixa, nutrindo o meu Espírito a esperança de que breve
florescerá, estendendo a sua fronde por toda a parte e dando frutos sazonados
de amor e perdão [...]” (In: MACHADO, 1996,
prefácio).
Em 1938, no prefácio da obra Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho,
publicada pela FEB Editora e ditada pelo Espírito Humberto de Campos, Chico
Xavier psicografou o seguinte esclarecimento de Emmanuel, seu guia espiritual, antecipando-nos
sobre o que ocorreria, atualmente, no mundo:
Se outros povos atestaram o progresso, pelas expressões
materializadas e transitórias, o Brasil terá a sua expressão imortal na vida do
Espírito, representando a fonte de um pensamento novo, sem as ideologias de
separatividade, e inundando todos os campos das atividades humanas com uma nova
luz [...]. Peçamos a Deus que inspire os homens públicos, atualmente no leme da
Pátria do Cruzeiro, e que, nesta hora amarga em que se verifica a inversão de
quase todos os valores morais, no seio das oficinas humanas, saibam eles
colocar muito alto a magnitude dos seus precípuos deveres. E a vós, meus
filhos, que Deus vos fortaleça e abençoe, sustentando-vos nas lutas depuradoras
da vida material (XAVIER, 2013, p. 8).
Ante tantos problemas políticos e
socioeconômicos atuais em nossa nação, algumas pessoas vêm questionando a obra
do Espírito Humberto de Campos, por atribuir a condição de “pátria do
evangelho” ao nosso país de dimensão continental. Por outro lado, dizem,
“coração do mundo só se for pelo formato geográfico do Brasil”, porque aqui a
violência atingiu índices mais altos do que os de muitos países ainda em
guerra.
Com todo o respeito, discordamos de
quem não crê, ou não mais acredita, nessa predestinação de nosso país. Não é na
comparação entre a política brasileira atual (em 2018) e a das demais nações
democratas que o Brasil se enquadra como pátria
do Evangelho. Também não o é pela sua situação
socioeconômica decorrente da corrupção e más administrações. Isso é temporário.
É pelo predomínio do sentimento fraterno e religioso da maioria de nossa gente...
Esse
sentimento deve-se ao fato de ser o Brasil uma das maiores nações cristãs e o
maior país espírita da Terra. E, embora sejamos minoria, em relação aos demais
cristãos, o trabalho social desenvolvido aqui pelos espíritas e suas
instituições é digno da admiração e respeito em todo o mundo. Como exemplo,
pesquisa realizada pelo Sistema Brasileiro de Televisão, em 2012, elege Chico
Xavier como “O maior brasileiro de todos os tempos”, tanto pelas mensagens de
consolação que ele recebeu, dos Espíritos elevados, quanto pela obra social que
realizou, de auxílio material a famílias brasileiras e estrangeiras. Chico
jamais aceitou qualquer pagamento pelas centenas de obras psicografadas por
ele, destinando os valores de suas vendas às editoras espíritas e instituições
beneficentes.
Outros valorosos médiuns de nosso
país, igualmente, adotaram seu princípio, que também é o de Cristo: “Dai de
graça o que de graça recebestes”, pois consideraram sempre as obras que
psicografaram como produtos dos ensinamentos dos Espíritos e não de seu
exclusivo trabalho intelectual. Como exemplo, citamos a médium Zilda Gama,
Yvonne do Amaral Pereira, Raul Teixeira e Divaldo Pereira Franco. Os dois
últimos ainda desenvolvem um trabalho social da mais alta relevância, em
Niterói e Salvador, respectivamente.
O Espiritismo, como dissemos no
início, possui caráter consolador, ou
seja, de nos dar satisfação e ânimo pela felicidade que nos reserva a vida
espiritual após a existência na Terra, se bem agirmos ante nossas expiações e
provas. Porém, essa nova revelação não se assenta na cabeça de um só homem,
como reconheceu Allan Kardec. Ela tem por coordenador e supervisor o Cristo,
representado pelo Espírito da Verdade, e por divulgadores os Espíritos
superiores convocados ao trabalho de restauração do Evangelho.
Então, quem teria, atualmente,
entre nós, a função de direção do Espiritismo? Esse tema está desenvolvido por
Allan Kardec em Obras póstumas, no
seu capítulo Constituição do Espiritismo,
do qual destacamos, do item III, os seguintes trechos: “Reconhecida a
necessidade de uma direção [...] ninguém conviria menos do que um ambicioso,
por isso mesmo orgulhoso, para chefiar uma doutrina que se baseia na abnegação,
no devotamento, no desinteresse, na humildade” (KARDEC, 2009, p. 452).
Mais adiante, acrescenta: “Como não
é racional admitir-se que Deus confie tais missões a ambiciosos ou a
orgulhosos, as virtudes características de um verdadeiro messias têm que ser,
antes de tudo, a simplicidade, a humildade, a modéstia, numa palavra, o mais
completo desinteresse material e moral” (id., p. 454). Allan Kardec diz,
ainda, com sua autoridade moral:
O progresso geral é a resultante de todos os progressos
individuais; mas o progresso individual não consiste tão só no desenvolvimento
da inteligência, na aquisição de alguns conhecimentos. Isto é apenas uma parte
do progresso, que não conduz necessariamente ao bem, visto que há homens que
usam mal do seu saber. O progresso consiste, sobretudo, no melhoramento moral,
na depuração do Espírito, na extirpação dos maus germens que existem em nós.
Eis o verdadeiro progresso, o único que pode garantir a felicidade ao gênero
humano, por ser o oposto mesmo do mal. O homem de inteligência mais cultivada
pode fazer muito mal; aquele que se houver adiantado moralmente só fará o bem.
É, pois, do interesse de todas as criaturas o progresso moral da Humanidade
(KARDEC, 2009, p. 494).
Por fim, diz o Codificador do
Espiritismo que
Em vez de um chefe único, a direção será confiada a uma direção
central permanente, cuja organização e atribuições serão definidas de maneira a
não permitir arbitrariedades [...]. A comissão central será, pois, a cabeça, o
verdadeiro chefe do Espiritismo, chefe coletivo, que nada poderá fazer sem o
assentimento da maioria. (Op. cit.,
it. IV – Comissão central).
Nunca é
demais lembrar o caráter de Cristianismo redivivo da Doutrina Espírita, que
restaura a pureza inicial da mensagem de Jesus Cristo, iniciada na Casa do
Caminho, sob a direção de Pedro e outros apóstolos, e com a extraordinária
divulgação de Paulo de Tarso aos gentios, narrada na obra Paulo e Estêvão, ditada por Emmanuel a Chico Xavier.
No Brasil, a missão de orientação,
visando à unificação do Espiritismo cabe à Federação Espírita Brasileira, por
meio do seu Conselho Federativo Nacional (CFN). Podemos comparar a situação do
Espiritismo, tanto em nossa Nação como no mundo atual, e a missão da Federação
Espírita Brasileira, com a vivida pelos primeiros apóstolos e discípulos do
Cristo. Em conversa com Barnabé sobre a situação de Jerusalém, que dava a
“[...] impressão de profundo desmantelo e acentuada indiferença pelas lições do
Cristo [...]” Paulo diz-lhe o seguinte:
Nada podemos fazer sem o Mestre, mas não é lícito esquecer que
Jesus instituiu no mundo uma obra eterna e, para iniciá-la, escolheu doze companheiros.
Certo, estes nem sempre corresponderam à expectativa do Senhor; contudo, não
deixaram de ser os escolhidos. Assim, também precisamos examinar a situação de
Pedro. Ele é, sem contestação, o chefe legítimo do colégio apostólico, por seu
espírito superior afinado com o pensamento do Cristo, em todas as
circunstâncias; mas, de modo algum poderá operar sozinho [...]. Que será de
Pedro se lhe faltar a cooperação devida? (XAVIER, 2002, cap. 4, p. 351).
Referindo-se ao extraordinário trabalho em prol da
unificação do movimento espírita, iniciado pelos pioneiros trabalhadores da
Doutrina no Brasil, com o estabelecimento de um órgão federativo nacional, à
frente dos quais se destacou Bezerra de Menezes, nos planos físico e
espiritual, diz o Espírito Humberto de Campos, sobre a missão da FEB:
Podem
as inquietações da Terra separar, muitas vezes, os trabalhadores humanos no seu
terreno de ação, mas a sociedade benemérita, onde se ergue a flâmula luminosa —
“Deus, Cristo e Caridade” — permanece no seu porto de paz e de esclarecimento A
sua organização federativa é o programa ideal da Doutrina no Brasil, quando
chegar a ser integralmente compreendido por todas as agremiações de estudos
evangélicos do país (XAVIER, 2013, p. 175).
Conclusão, o Espiritismo é o Consolador prometido por Jesus para
restaurar seu Evangelho e revelar ao mundo as Leis Divinas, ainda pouco
conhecidas e tidas por milagres, que não existem, pois todos os fenômenos tidos
como tais não passam de leis até então desconhecidas. O Brasil é a Pátria
escolhida por Ele, o Cristo de Deus, para expandir essa terceira Revelação à luz do seu Evangelho. Finalmente,
à FEB, por sua organização nos moldes propostos pelo Codificador, cabe a missão
de orientar a unificação do movimento espírita, sem imposições, mas observando
o princípio de decisão majoritária, em todas as suas decisões, sob o lema:
“Trabalho, solidariedade, tolerância” (KARDEC, 2009, p. 23).
REFERÊNCIAS
BÍBLIA de Jerusalém. 3.
impr. São Paulo: Paulus, 2004.
KARDEC, Allan. Obras póstumas. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2009.
______. Revista Espírita 1861: jornal de estudos
psicológicos. Ano 4, n. 4, abr. 1861. Ensinos e dissertações espíritas, it. Vai
nascer a verdade. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
______. ______. ano 12,
n. 11, nov. 1869. Biografia – O Eco de Além-Túmulo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. Brasília: FEB, 2005.
MACHADO, Ubiratan. Os intelectuais e o espiritismo: de
Castro Alves a Machado de Assis. 2. ed. Niterói: Publicações Lachâtre, 1996.
PRIORE, Mary del. Do outro lado: a história do
sobrenatural e do espiritismo. São Paulo: Planeta, 2014.
XAVIER, Francisco
Cândido. Brasil, coração do mundo, pátria
do evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 33. ed. Brasília: FEB,
2013.
______. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel.
2. ed. espec. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
Publicado em Reformador/FEB
set. 2018, p. 18- 22.
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