EM DIA COM O MACHADO 545:
ÀS ALMAS IRMÃS! (Jó)
Salve, alma querida!
Estou lendo obra interessante, que
recomendo a todos os espíritas cristãos e aos cristãos de modo geral. Trata-se
do livro de Bittencourt Sampaio, publicado pela Federação Espírita Brasileira.
O título dele é A Divina Epopeia, e o assunto principal de que trata é a
reprodução parafraseada de todo o evangelho de João, em versos decassílabos
livres.
Agora mesmo, revendo um poema de
Machado de Assis, percebi que Bittencourt e o Bruxo do Cosme Velho utilizam semelhante
processo de versificação em seus poemas, no estilo canto, quando
Machado, em sua obra intitulada O Almada, poema herói-cômico em oito
cantos, como Bittencourt, também versifica suas estrofes em decassílabos, cujo
fragmento de verso final de cada estrofe, por vezes, é completado no início da
estrofe seguinte.
Bem mais extenso do que O Almada,
o evangelho de João é relatado em 21
cantos. O objetivo aqui é não somente comparar a estrutura de cada poema, mas também
mostrar a diferença do objetivo dos seus autores. Machado explica, antes dos
seus oito cantos, que o tema de seu poema “é rigorosamente histórico” e, mais
adiante, diz que buscou o cômico “no contraste da causa com seus efeitos”.
Bittencourt, ao contrário, busca o aspecto espiritual da vida e obra de Jesus
em seus cantos.
Começo por duas estrofes do Canto IV d’O Almada:
XIII
Assim falou Almada, e toda a mesa
Lhe aprovou o discurso. O Vilalobos,
Em quem os olhos fita o grão prelado,
Algum tempo medita um bom alvitre,
E ia já começar a sua arenga
Quando o astuto Veloso a vez lhe toma:
“Minha ideia, senhor, é que esse infame
Nem alma, nem vigor, nem bizarria
Houve do céu e que abater-lhe a proa
O mesmo vale que esmagar brincando
Uma pulga, um mosquito, uma formiga.
Mas porque seja bom tapar a boca
Aos vadios da terra, e porque vale,
Em certos casos, afetar nas formas
Tal ou qual mansidão, que não existe,
Cuido que em lhe mandando uma embaixada
A exigir-lhe a devassa...”
“Nunca!Nunca!
(Interrompe o vigário). Uma embaixada!
E tal cousa, senhor, nascer-lhe pode
Tratar de igual a igual a um bigorrilhas!
No claro entendimento: Todo o lustre,
Valor e autoridade a igreja perde
Se não falar de cima ao tal pedante,
Com desprezo, com asco. Em boa regra,
Cortesia demanda cortesia;
Mas um vilão que a processar se atreve
Os prelados da casa do prelado,
Em vez de uma embaixada, merecia
Nas costas uma dose de cacete.
[...]
Recorto agora fragmentos de duas estrofes do Canto XIX d’A Divina Epopeia:
Então Pilatos a Jesus tomando,
O mandou açoitar. E já de espinhos
Fazendo-lhe os soldados uma coroa,
Sobre a sua cabeça a colocaram;
E puseram-lhe um manto cor de púrpura.
Depois vinham dizer-lhe: “Deus te salve,
Rei dos judeus!” E bofetadas davam-lhe.
[...]
Os príncipes dos padres e o seu povo,
Ao vê-lo assim bradaram:
—
“Crucifica-o!
Crucifica-o!” E disse-lhes Pilatos:
— “Tomai-o vós então, crucificai-o;
Porque crime nenhum eu nele encontro.”
Crucificado e martirizado, Jesus
retorna à vida dias depois, para nos provar que o bem sempre vencerá o mal. E,
ao partir definitivamente para o reino divino, deixa-nos a certeza de
que, ainda que nos matem o corpo, o espírito sobreviverá, pois somos imortais,
e a Terra é local de expiações e provas.
Termino com estes versos, do grande Cruz e Sousa, dedicados aos meus queridos seguidores e leitores:
Mas as almas irmãs, almas eleitas,
Hão de trocar, nas regiões perfeitas,
Largos, profundos, imortais abraços!
(Sousa,
Cruz e. Longe de tudo. In: Cruz e Sousa: poesia. Rio de Janeiro:
Agir, 1982 (Nossos clássicos; 4).
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