Páginas

segunda-feira, 17 de outubro de 2022



HISTÓRIA DE UMA FESTA
 
O palacete brilha. A agitação é imensa.
Lâmpadas recordando opalas e rubis
São postas no jardim para serem acesas,
Orquídeas multiplicam-se nas mesas,
É o natalício em luz da pequena Beatriz.
 
Ela, o centro da festa, a bela pequenina,
Naquele casarão feito em linhas austeras,
Completava oito lindas primaveras.
Para todos aqueles que a cercavam,
Era sempre gentil, generosa e suave,
Um encanto de menina.
 
O dia terminava, ante o sol inda quente,
Entretanto, Beatriz,
Muito embora gripada,
Sentia-se feliz
Na ideia de abraçar a muita gente...
A única filha do casal Garcia
Parecia voar num sonho de alegria.
De minuto a minuto, estava à porta grande,
Fitava a rua, em vão, para todos os lados
E perguntava-se, ansiosa,
De onde estariam vindo os convidados.
 
Quase que de improviso,
Ela enxerga Marcela, armada de sacola,
A menina descalça e maltrapilha,
Que, às vezes, passa ali pedindo esmola
Para ajudar ao pai paralítico e só.
Beatriz sente dó
Da pequena vestida em trapos remendados
E, abraçando-a, anuncia:
 
— Vem comigo, Marcela, hoje é meu dia,
Quero que comas do meu bolo.
Mas, ao apresentá-la
À senhora Garcia,
Que parece manter-se de vigia,
Nos adornos da sala,
A filhinha acrescenta:
 
— Mamãe, esta é Marcela,
Que sempre vai ao nosso educandário,
Tem o pai doente e espera o nosso auxílio,
Peço a senhora dar a ela
Um pedaço do bolo
De meu aniversário.
A menina, porém, escuta em desconsolo,
A mãezinha dizer, séria e zangada:
 
— Por onde foi você
Buscar esta garota esfarrapada?
Nossa festa é de amigos,
Nossa casa não tem ligação com mendigos.
E fitando Marcela, a dama continua:
— Saia agora daqui, seu lugar é na rua...
 
A menina em andrajos sai correndo,
Mas Beatriz parada,
Sob choque tremendo,
Chora desconsolada...
 
— Filha, por que você conserva essa mania,
— Diz com severidade a senhora Garcia —
De dar tanta atenção a crianças imundas?
Não mais me traga aqui pequenas vagabundas.
 
Pouco tempo depois, a festa começava...
Ante o bolo enfeitado e oito velas pequenas,
Vozes erguiam felicitações,
Irmanavam-se os votos e as canções,
E num painel de rosas e açucenas,
Uma orquestra vibrava...
 
Terminada, porém, a festa linda,
A família Garcia enfrenta o inesperado;
Nove horas da noite... Cedo ainda...
A pequena Beatriz havia piorado.
 
Tinha a cabeça em fogo, o corpo em febre alta...
O médico é chamado, investiga, examina
E conclui pela voz da medicina:
— Infelizmente, é o crupe... um monstro fulminante...
 
Vem a medicação. De instante para instante,
A doente piora, agita-se, delira
E pergunta à mamãe: — Quem chama e se retira?
Ah! Mamãe, eu já sei quem expulsou Marcela,
Quero dar de meu bolo um pedacinho a ela...
Porque tenho, mamãe,
Tanta roupa guardada,
E Marcela anda assim esfarrapada?
Por que Deus não quis dar a ela, o que me deu?
A mãezinha, chorando, nada respondeu.
 
Mas Beatriz prossegue: — Eu quero ver Marcela!...
Servidores da casa postos à procura
De favela em favela,
Não acharam sinal da pequena criatura...
 
Finda a noite, ao clarão do amanhecer,
Depois de rápida agonia,
Mal começava o novo dia,
A querida Beatriz, dantes contente e forte,
Desfaleceu, por fim, ante os braços da morte...
 
Ao ver a filha morta, a senhora Garcia
Gritou a soluçar: — Deus de Imensa Bondade,
Eu sei que o teu amor me ampara e me perdoa...
 
Clamando a própria dor, em desespero enorme,
Vendo a filha na calma de quem dorme,
Rogou-lhe a pobre mãe, a desfazer-se em pranto:
 
— Filha de minha vida, meu encanto,
Não te afastes de mim que te amo tanto...
Eu quero ser humilde, ensina-me a ser boa
Não me deixes no mal, volve do Mais Além,
Guia a mim, tua mãe, na prática do bem!...
Mas a meiga Beatriz, agora sem mais dor
E sem dizer mais nada,
Que pudesse afastar o pesado amargor
Da mãezinha cansada,
Estampou sobre a face um sorriso de amor. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Viva a Cruz Vermelha! (Irmão Jó)   A Terra é um cipoal De ervas daninhas do mal.   A dor internacional Faz do mundo um hospital....