27.2 Eficácia
da prece
Qualquer
coisa que vocês pedirem na prece, creiam que obterão (Marcos, 11:24).
Há pessoas que contestam a eficácia da
prece, entendendo que, por conhecer Deus nossas necessidades, é desnecessário
expô-las a Ele. Acrescentam ainda que, tudo se encadeando no verso por leis
eternas, nossos desejos não podem mudar os decretos de Deus.
Sem dúvida, há leis naturais e imutáveis
que Deus não pode revogar conforme os caprichos de cada um. Mas daí a crer que
todas as circunstâncias da vida estejam submetidas à fatalidade, a distância é
grande. Se assim fosse, o homem nada mais seria que um instrumento passivo, sem
livre-arbítrio e sem iniciativa. Nessa hipótese, só lhe caberia curvar a fronte
ante os golpes do destino, sem procurar evitá-los; não deveria tentar
desviar-se do raio. Deus não lhe deu o entendimento e a inteligência para que
não os utilizasse, a vontade para não querer, a
atividade para ficar
em inação. Como o homem é livre para agir, numa ou noutra direção, seus atos têm,
para ele mesmo e para os outros, consequências subordinadas ao que ele faz ou
deixa de fazer. Por sua iniciativa, há portanto acontecimentos que escapam
forçosamente à fatalidade, e que nem por isso destroem a harmonia das leis
universais, da mesma maneira que o avanço ou o atraso dos ponteiros de um
relógio não anula a lei do movimento sobre a qual se estabelece o mecanismo. Deus
pode, pois, atender a certos pedidos, sem derrogar a imutabilidade das leis que
regem o conjunto, subordinado sempre o atendimento à sua vontade.
Seria ilógico concluir-se, desta máxima:
“Qualquer coisa que vocês pedirem na prece, creiam que obterão", que basta
pedir para obter, como seria injusto acusar a Providência se ela não atender todos
os pedidos que lhe fazem, porque ela sabe melhor do que nós o que é para nosso
bem. Assim procede o pai sábio, que recusa ao filho as coisas contrárias ao
interesse deste. O homem, geralmente, só vê o presente; ora, se o sofrimento é
útil à sua felicidade futura, Deus o deixará sofrer, como o cirurgião deixa o
doente sofrer as dores duma operação que deverá curá-lo.
O que Deus lhe concederá, se lhe pedir
com confiança, é a coragem, a paciência e a resignação. O que ainda lhe
concederá são os meios de por si mesmo se livrar das dificuldades, com a ajuda
das ideias que lhe serão sugeridas pelos bons espíritos, de maneira que lhe
restará o mérito da ação. Ele assiste aos que se ajudam a si mesmos, segundo esta
máxima: "Ajuda-te e o céu te ajudará", e não os que tudo esperam dum
socorro estranho, sem usar suas próprias faculdades. Porém, na maioria da
vezes, preferimos ser socorridos por um milagre, sem nada fazermos (cap. 25, it.
1 e segs.).
Tomemos um exemplo. Um homem está
perdido num deserto; sofre horrivelmente de sede; sente-se fraco e deixa-se
cair na terra. Ora, pedindo a ajuda a Deus e espera; mas nenhum anjo vem dar-lhe
de beber. No entanto, um Bom Espírito lhe sugere o pensamento de levantar-se
e seguir um dos caminhos que tem diante de si. Então, por um movimento maquinal,
reúne as forças que lhe restam, levanta-se, caminha e descobre um regato ao
longe. Com essa visão, ganha coragem. Se tiver fé, exclamará: "Obrigado, meu
Deus, pelo pensamento que me inspirou e pela força que me deu". Se não
tiver fé, dirá: "Que boa ideia eu tive! Que sorte a minha de tomar o
caminho da direita e não o da esquerda; o acaso, algumas vezes, serve-nos
admiravelmente! Quanto me felicito pela minha coragem e por não
me haver deixado abater!"
Mas, dirão, por que o bom Espírito não
lhe disse claramente: “Siga este caminho, e no fim encontrará o que necessita?”
Por que não se mostrou a ele, para guiá-lo e sustentá-lo no seu abatimento?
Dessa maneira o bom Espírito o teria convencido da intervenção da Providência. Primeiramente,
para lhe ensinar que é necessário ajudar-se a si mesmo e usar as próprias forças.
Depois, porque, pela incerteza, Deus põe à prova a confiança e a submissão à
sua vontade. Esse homem estava na situação da criança que, ao cair, vendo
alguém, põe-se a gritar e espera que a levantem; mas, se não vê ninguém,
esforça-se e levanta-se sozinha.
Se o anjo que acompanhou Tobias lhe
houvesse dito: "Sou enviado por Deus para guiá-lo na viagem e preservá-lo de todo perigo".
Tobias não teria nenhum mérito. Fiando-se no seu companheiro, nem mesmo precisaria
pensar. Foi por isso que o anjo só se deu a conhecer ao retornarem.
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