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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

 


CERCAS
 
Alma querida, escuta:
Em tuas horas lentas
De inquietação, insegurança e luta,
Amargura e cansaço,
Ouvimos nós, noutros campos do Espaço,
As falas mudas que nos apresentas.
 
Muitas vezes, interrogas na oração
De espírito espantado e sofredor:
– “Se tudo o que esperei foi sonho vão,
Por que amarei assim, sem ter amor?
Por que me consagrar a filhos que amo tanto,
Se me ofertam por triste recompensa
A incompreensão imensa
Que me encharca de pranto?
 
Por que me dedicar com tanto empenho
Ao lar que me magoa
No qual ninguém anota as lágrimas que eu tenho
Nem considera a cruz que me agrilhoa?
 
Que motivo me leva a entregar-me de todo
A certo coração que me espezinha
Que me cobre de lodo
Depois de ironizar a esperança que eu tinha?
 
Que razão me conserva a consciência
Presa a determinado compromisso,
Se aqueles que mais amo na existência
Não querem saber disso”?
 
Dói-nos ouvir, no Além, a angústia com que indagas,
Mostrando o coração aberto em chagas...
 
É um esposo distante, é uma esposa esquecida
Do trabalho de paz que abraçou para a vida,
É um filhinho doente,
Gradeado num leito merencório,
É um parente infeliz em sanatório,
É uma pessoa amiga a gritar-nos em rosto
Acusações sem base em vinagre e censura,
A fazer-nos enfermos de desgosto
Ou cansados de dor, às portas da loucura...
 
Inda que tudo isso te aconteça,
Não fujas, alma boa,
Tolera a quem te fira, ama, perdoa,
Sem que a força do amor se te arrefeça.
 
Não fossem as prisões que nos guardam no mundo,
Duros grilhões, sem formas definidas,
Voltaríamos nós aos erros de outras vidas
Em delírio profundo...
 
A prova que te oprime em ásperas refregas,
O peso enorme dos tormentos teus,
E a dor da obrigação nas cruzes que carregas
São as cercas de Deus.
 
DOLORES, Maria. A vida conta. Psicografia de F. C. Xavier. 1980.

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