EXPERIÊNCIAS
Uma história de culpa e
redenção
Que só pude entender
Fitando a vida na
reencarnação:
Há mais de um século
passado,
Jovem senhora de
fortuna imensa
Desfez-se do homem bom
que havia desposado,
Propinando-lhe a morte
Aproveitando antiga
desavença.
O marido morreu, sem
saber que a consorte
Era a autora do
crime...
Sob o açoite invisível
de veneno,
Desligou-se do corpo,
acreditando
Ter sido vítima de um
bando
De conhecidos
salteadores,
Que lhe haviam furtado
extensa faixa
De lavoura e terreno...
Ela fingiu sofrer,
chorou a lamentar-se,
Resguardando a frieza
em pomposo disfarce:
Depois, armou-se de razão
e herança,
Em seguida a mais ouro,
ei-la que avança
No rumo do prazer,
unicamente...
Borboleta das noites de
aventura,
Converteu-se em esfinge
de loucura
E espalhava paixões,
assassinatos,
Suicídios e duelos
insensatos,
Até que, um dia, a
morte
Surgiu numa doença e
abateu-a de todo...
A fidalga saiu de
túmulo dourado,
Abominando o corpo
aniquilado
Como quem deixa um
cárcere de lodo.
Atônita, encontrou na
própria mente
As sombras que largara
para trás...
Via os homens que
amara, odiando-lhe o nome
E os lares que ela
mesma havia destruído
Sem alento e sem paz,
Padecendo viuvez,
necessidade e fome,
Em razão dos seus
gestos sem sentido...
Ao fim de tempo longo em
suplício e cansaço,
Vendo em si própria a
culpa e a punição reunidas,
Rogou regresso ao mundo
em lágrimas doridas;
Queria renascer,
desprezada e doente,
De maneira a expiar os
erros que fizera...
Foi assim que a fidalga
ressurgiu
Na penúria de humílima
tapera.
Ninguém lhe conhecia a
genitora...
A pequenina fora
Simplesmente enjeitada
Sobre o lodoso vão de
uma velha calçada...
Recolhida num lar de
gente boa,
Cedo mostrou-se como
viveria,
Débil mental, vagando
à-toa,
Muda e louca,
chamavam-na Maria;
E porque andasse, ao léu,
de porta em porta,
Fosse onde fosse, se
chorava ou ria,
Populares gritavam:
“sai, Maria!...
Não te queremos... Sai,
Maria Torta!...”
E a pobre em se
sentindo injuriada
Pelo cruel pejorativo,
Buscava defender-se a
rugido e pedrada,
Ferindo o próprio peito
morto-vivo...
Sessenta anos viveu à
noite e ao vento,
Sem pouso certo, atada
ao sofrimento...
Dias atrás, fui
vê-la... Achei Maria,
Num recanto de pobre
enfermaria...
Era um farrapo humano,
uma sombra de gente
Que a moléstia
arrasava, asperamente...
Dera-lhe a caridade um
colchão por guarida
E a morte lhe traria o
apoio de outra vida...
Agonizou, por fim, a
nobre companheira
Que varara, gemendo,
uma existência inteira.
Nós – a equipe de
simples servidores –
Expressando-lhe amor em
visita singela,
Orávamos em grupo,
junto dela,
Suplicando a Jesus lhe
amenizasse as dores...
Quando o corpo cansado
demonstrou
Que não mais lhe
servia,
Mensageiros da Altura,
com cuidado,
Libertaram Maria...
Foi um deslumbramento
inesperado.
A sala estreita e pobre
iluminou-se,
Ramalhetes lembrando
estranhas primaveras
Chegavam pelas mãos de
amigos de outras eras...
Jubilosa e espantada,
vi Maria
Deixar o corpo em
pranto de alegria...
Seres angelicais
cantavam em surdina
Doces evocações da
Morada Divina...
A pobre soluçava ao
tentar entendê-las...
Logo após, envolvida em
flores luminosas,
Numa sege de luz,
enfeitada de rosas,
Maria se elevou para além
das estrelas...
DOLORES, Maria. A vida conta. Psicografia de F. C. Xavier. Ed.
C.E.U., 1980.
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