Em
dia com o Machado 244 (jlo)
—
Amigo Joteli, como você sabe, gosto muito de esporte, principalmente de corrida
no parque. Tanto é assim que, no último sábado, estive ali para fazer minha
corrida de praxe, o que costuma ocorrer (Percebeu, ignaro, o trocadilho?) duas
ou três vezes por semana.
Atrelei
meu tílburi junto de outros poucos e observei que o público local, dessa vez,
era pouco. Tampouco importei-me com isso, como também me importo nada com a
observação de qualquer dos meus trinta leitores sobre a presença de trocadilhos
e quaisquer outros quintilhões de figuras de linguagem utilizados por mim em
minhas cônicas crônicas crocantes (Detesto essa última palavra, mas não sei por
quê. Afinal, crocante rima com croissant
que c’est très bon).
Pois
bem, como dizia, parei meu tílburi num dos estacionamentos apropriados e, por
incrível que pareça, não vi nenhum cuidador de cavalo, modernamente chamado “flanelinha”,
nas proximidades. Então, pensei: “Ainda bem, pois não tenho moedinha qualquer
para fingir que pago ao “flanelinha”, que finge que vigia meu veículo de tração
animal”.
Assim
refletindo, dirigi-me à linha de partida e parti na corrida desabalada, tal
como Hermes, o mensageiro dos deuses, e concluí 6 km em 32 minutos; fora os 32
km, em seis minutos, da corrida anterior, que deixou meu equino exausto.
Ao
retornar ao local do veículo, observei uma baixinha sexagenária com uma bolsinha[1] na mão, que arrancava um
pouco de capim e dava de comer a Pégaso. Então, perguntei-lhe:
—
Por que alimentais meu cavalo?
Ela
sorriu, com os dentes inferiores totalmente “podres”, e respondeu-me, meio sem
jeito:
— Usted no tiene una moneda para una peruana muy
deseosa?
Lembrei-me
de que só tinha no bolso uma nota de dez réis
e pensei com meus botões: “Se lhe der dois réis
já é muito, pois ela nem aqui estava quando cá cheguei”. E agora, cá chegando...
Desse
modo, julgando, também, que sua bolsa a tiracolo estava repleta de generosas
moedas de outros cidadãos que ali também amarravam seus burros, propus-lhe
generosamente:
—
Se a senhora tiver oito réis de troco
para dez, eu lhe dou dois...
Ela
balançou a cabeça, negativamente, e perguntou-me se eu me satisfaria com quatro
réis...
Não
acreditei em sua resposta e lhe pedi para colocar, numa de minhas mãos, as
moedas que ganhara. Ao todo, contamos $2,80 (dois réis e oitenta centavos) em moedas e mais $4,00 (quatro réis), em duas cédulas, que estavam em
sua bolsa. Visto isso, e olhando para seu sorriso, perguntei-lhe, comovido:
—
Mas é só isso que lhe deram até agora? (Não se esqueça, Jó, que ela aparecera
apenas naquela hora, mas naquela hora meu dó foi grande).
Ela
respondeu-me: — Sí, no más. Las personas casi no los dan nada.
Um
pensamento, porém, não me saía da cabeça, Joteli. E era que se eu trocasse os
meus dez réis pelos seis réis e oitenta centavos dela, a peruana
ficaria com $3,20 a mais e eu ainda manteria no bolso $6,80 para atender aos
demais guardadores de burros, tílburis e afins. Então, não pensei duas vezes,
peguei seu troco e deixei em suas mãos minha nota de dez.
—
Essa história lembrou-me a do almocreve, amigo Machado, não sei por quê.
—
Pois o espírito é o mesmo, meu caro amigo. Se o leitor não conhece a história
do almocreve, anote esse nome no google, acrescido de “conto de Machado de
Assis”, ou então leia o capítulo XXI de Memórias
Póstumas de Brás Cubas e compare. Qualquer semelhança é mera mimese.
[1]
Tendo em vista que o nome antigo de “bolsinha” tornou-se chulo, atualizei-o
para o vocábulo atual, pois meu secretário é extremamente pudico.
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