Páginas

domingo, 11 de dezembro de 2022

 


27.4 Preces inteligíveis
 
            Se eu não entender o que significam as palavras, serei um bárbaro para aquele a quem falo; e o que fala será para mim um bárbaro. Se eu orar numa língua que não entendo, meu coração ora, mas meu entendimento fica sem fruto. Se você somente louvar a Deus de coração, como é que um homem do número dos que só entendem sua própria língua responderá amém, ao fim de sua ação de graça, visto não entender o que você diz? Não é que sua ação não seja boa, mas os outros não se edificam com ela (Paulo, l Cor. 14:11, 14, 16-17).
 
            A oração só tem valor pelo pensamento associado a ela. Ora, é impossível associar um pensamento àquilo que não se compreende, pois o que não se compreende não pode tocar o coração. Para a imensa maioria, as orações numa língua desconhecida são apenas palavras que nada dizem à mente. Para que a prece toque o coração é necessário que cada palavra revele uma ideia, e se não a compreendermos, ela não pode revelar ideia nenhuma.
            Será repetida como simples fórmula, cuja virtude dependerá do maior ou menor número de suas repetições. Muitos oram por dever, alguns, mesmo, para seguir os costumes, pelo que se julgam quites depois de uma prece repetida por certo número de vezes e segundo determinada ordem. Deus lê no fundo dos corações; ele vê o pensamento e a sinceridade; e é rebaixá-lo acreditá-lo mais sensível à forma do que ao fundo (cap. 28, it. 2).
 
27.5 Da prece pelos mortos e pelos espíritos sofredores
 
            A prece é solicitada pelos espíritos sofredores, ela lhes é útil, pois ao verem que são lembrados, sentem-se menos abandonados e menos infelizes. Mas a prece tem sobre eles uma ação mais direta: reergue-lhes a coragem, excita-lhes o desejo de se elevarem, pelo arrependimento e pela reparação, e pode desviá-los do pensamento do mal. É nesse sentido que ela pode não somente aliviar, mas abreviar-lhes os sofrimentos (O céu e o inferno, 2.ª parte: exemplos).
            Algumas pessoas não admitem a prece pelos mortos, porque acreditam que a alma só tem duas alternativas: ser salva ou condenada às penas eternas. Num e noutro caso, portanto, a prece seria inútil. Sem discutir o valor dessa crença, admitamos por um instante a realidade das penas eternas e irremissíveis, e que as nossas preces sejam impotentes para interrompê-las. Perguntamos se nessa hipótese é lógico, é caridoso, é cristão, recusar a prece pelos réprobos. Essas preces, por mais impotentes que sejam para libertá-los, não serão para eles uma prova de piedade, que poderá minorar-lhes os sofrimentos? Na Terra, quando um homem é condenado à prisão perpétua, mesmo não havendo nenhuma esperança de obter-se a graça para ele, é proibido a uma pessoa caridosa auxiliá-lo a carregar seus grilhões para aliviá-lo desse peso? Quando alguém está atacado de mal incurável, não havendo portanto nenhuma esperança de cura, deve-se abandoná-lo sem nenhum alívio? Considere que entre os réprobos pode estar uma pessoa que lhe seja cara: um amigo, talvez um pai, a mãe ou um filho; pelo fato dessa criatura não ser perdoada, você poderia recusar-lhe um copo d'água para mitigar-lhe a sede, um bálsamo para secar-lhe as feridas? Não faria por ela o que faria por um prisioneiro? Não lhe daria uma prova de amor, uma consolação? Não, isso não seria cristão. Uma crença que endurece o coração não pode conciliar-se com aquela dum Deus que coloca, como o primeiro de todos os deveres, o amor ao próximo!
          A não eternidade das penas não implica negação duma penalidade temporária, porque, na sua justiça, Deus não pode confundir o bem com o mal. Ora, nesse caso, negar a eficácia da prece seria negar a eficácia da consolação, dos encorajamentos e dos bons conselhos; e isso equivaleria a negar a força que haurimos de assistência moral dos que nos amam.
            Outros se fundam numa razão mais enganosa: a imutabilidade dos desígnios divinos. Deus, dizem eles, não pode modificar suas decisões a pedido das criaturas; sem isso, nada seria estável no mundo. O homem, portanto, nada tem de pedir a Deus, cabendo-lhes apenas submeter-se a adorá-lo.
         Há nesta ideia uma falsa interpretação da imutabilidade da lei divina, ou melhor, ignorância da lei, no que concerne à penalidade futura. Essa lei é revelada pelos espíritos do Senhor, hoje que o homem já amadureceu para compreender o que, na lei, é conforme ou contrário aos atributos divinos.
        Segundo o dogma da eternidade absoluta das penas, não se levam em conta os remorsos nem o arrependimento do culpado. Para ele, todo o desejo de melhorar-se é inútil; ele está condenado a permanecer eternamente no mal. Se foi condenado, entretanto, por um determinado tempo, a pena cessará no fim do prazo. Mas quem pode afirmar que ele terá então melhorado seus sentimentos? Quem dirá que, a exemplo de muitos condenados da Terra, ao sair da prisão, ele não será tão mau quanto antes? No primeiro caso, seria manter sob a dor do castigo um homem que retornou ao bem; no segundo, seria agraciar aquele que continua culpado. A lei de Deus é mais previdente do que isso; sempre justa, equitativa e misericordiosa, não fixa nenhuma duração para a pena, qualquer que seja. Ela resume-se assim:

O homem sofre sempre a consequência das suas faltas; não há uma só infração à lei de Deus, que não tenha a sua punição.
A severidade do castigo é proporcional à gravidade da falta.
A duração do castigo, para qualquer falta, é indeterminada; ela está subordinada ao arrependimento do culpado e ao seu retorno ao bem.  A pena dura tanto quanto a obstinação no mal; seria perpétua, se a obstinação fosse perpétua: será de curta duração, se o arrependimento for rápido.
Desde que o culpado clame por misericórdia, Deus o atende e lhe concede esperança. Mas o simples remorso do mal praticado não basta: é necessária a reparação da falta. É por isso que o culpado é submetido a novas provas, nas quais ele pode, sempre pela sua própria vontade, fazer o bem para reparação do mal que haja feito.
O homem é assim constantemente o árbitro da sua própria sorte. Ele pode abreviar o seu suplício ou prolongá-lo indefinidamente. Sua felicidade ou sua desgraça dependem da sua vontade de fazer o bem.
Tal é a lei; lei imutável e conforme a bondade e a justiça de Deus.


            O Espírito culpado e infeliz, dessa maneira, pode sempre se salvar; a lei de Deus lhe diz sob quais condições ele pode fazê-lo. O que geralmente lhe falta é a vontade, a força e a coragem. Se, pelas nossas preces, lhe inspiramos essa vontade, se o amparamos e encorajamos; se, pelos nossos conselhos, lhe damos as luzes que lhe faltam, em vez de solicitar a Deus que derrogue sua lei, tornamo-nos instrumentos da execução dessa lei de amor e caridade, da qual ele nos permite assim participar, para darmos nós mesmos uma prova de caridade (Ver O Céu e o Inferno, 1ª parte, caps. 4, 7 e 8).


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Viva a Cruz Vermelha! (Irmão Jó)   A Terra é um cipoal De ervas daninhas do mal.   A dor internacional Faz do mundo um hospital....