EM DIA COM O MACHADO 566:
CARTA ABERTA À REDAÇÃO ANTIRRACISTA DO ESE (Irmão Jó)
“O Espiritismo [...] assenta suas bases no próprio Cristianismo;
sobre o Evangelho, do qual não é mais que a aplicação.” Discurso de Allan
Kardec durante o banquete que lhe foi oferecido em Lyon. In: KARDEC, Allan. Viagem espírita em
1962 e outras viagens de Kardec.
Pensei já ter lido
tudo sobre os espíritas autodenominados Espíritas à esquerda. Mas
desta vez esse grupo conseguiu
superar-se. Pois não é que disponibilizou na
internet cópia da obra, traduzida por Luiz Olympio Guillon Ribeiro? Este
foi, no passado, presidente da Federação Espírita Brasileira (FEB), nascido no
Maranhão, em 17 de janeiro de 1875, e falecido no Rio de Janeiro em 26 de
outubro de 1943. O e-book, disponibilizado gratuitamente, tem ficha
catalográfica e tudo... A pessoa responsável nem ao menos se deu ao
trabalho de consultar a FEB Editora se aprovava acrescentar “nova redação” ao
conteúdo que considera racista na versão on-line. Alega que a obra está
em domínio público...
Apenas copiarei e comentarei as
expressões consideradas racistas por quem se autointitula “Espíritas à esquerda”.
Começo por refutar as argumentações do seu prefácio.
Logo no início, o grupo “Espíritas à
esquerda” afirma que sua intenção é
“[...] contribuição para o debate sobre trechos das obras literárias de
Allan Kardec, vistos como supostamente discriminatórios e preconceituosos
em relação a pessoas negras e de outras etnias” (destaquei). Entretanto, em
nota de rodapé número 4, informa que existe um “Termo de Compromisso de Ajustamento
de Conduta celebrado nos autos do processo administrativo n.º
1.14.000.000835/2006-12.MPF/Bahia. 2007” (TAC). Ora, se os trechos são
“supostamente discriminatórios", e se há um TAC esclarecendo, em nota, as
dúvidas, em cada obra, não há necessidade de se publicar obra explicando o
que já o está pelas editoras citadas. Basta à pessoa desconhecedora das
questões relacionadas à evolução da ciência, dos costumes e da cultura ler a
nota para tirar suas dúvidas. Quanto à sua interpretação e imparcialidade do
julgamento é questão de consciência pessoal.
Comentaremos, objetivamente, a frase
com a primeira “redação antirracista” inserida na obra em referência: O
Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE). A nota explicativa sobre o
caráter não discriminatório presente nas obras básicas de Allan Kardec
publicadas pela FEB e outras sete editoras fora antes citada, mas agora os
fragmentos já são considerados “preconceituosos das obras kardecistas”.
A proposta de REDAÇÃO ANTIRRACISTA, p. 59,
primeira de seis contidas no e-book, está destacada abaixo, com proposta
dos “Espíritas à Esquerda” para leitura “atualizada”,
em vermelho, daquilo que na obra original está destacado
em azul.
Enfoco aqui o primeiro texto
alterado abaixo do item 8, d’O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. III
Há muitas moradas na casa de meu Pai. Vamos por partes:
Redação original:
Tomada
a Terra por termo de comparação, pode-se fazer ideia do estado de um mundo
inferior, supondo os seus habitantes na condição das
raças selvagens ou das nações bárbaras que ainda entre nós se encontram, restos do estado
primitivo do nosso orbe. Nos mais atrasados,
são de certo modo rudimentares os seres que os habitam.
Redação antirracista com meu
comentário abaixo de cada uma:
Tomada
a Terra por termo de comparação, pode-se fazer ideia do estado de um mundo
inferior, supondo os seus habitantes na condição de
outras espécies do gênero humano, como homo erectus e homo neanderthalensis,
que já habitaram entre nós, lembranças fósseis do estado primitivo do
nosso orbe. Nos mais atrasados, eram de certo
modo rudimentares os seres que os habitavam.
Meu comentário:
Ainda temos
grandes diferenças entre países mais desenvolvidos socialmente e pela ciência e
tecnologia do que outros, assim como certas pessoas de evolução primitiva,
independente de estarem no campo ou na cidade, serem desta ou daquela etnia,
deste ou daquele país. Mas Allan Kardec está comparando a situação da Terra com
a dum mundo inferior e, em nosso mundo, não podemos negar que essas diferenças
ainda existam. Pergunto, então, onde está, na redação de Kardec, racismo. No
nosso entender, nada do que ele disse precisa ser atualizado. A última frase
nem ao menos se refere à Terra, mas sim aos mundos primitivos.
Redação original:
Revestem a forma humana, mas sem nenhuma beleza. Seus instintos
não têm a abrandá-los qualquer sentimento de delicadeza ou de benevolência, nem
as noções do justo e do injusto.
Redação antirracista:
Revestiam-se da forma humana, com suas próprias características de
beleza. Seus instintos e seus sentimentos de delicadeza ou de benevolência
diferiam dos encontrados na espécie sapiens, incluindo as noções do justo e do
injusto.
Meu comentário:
Negar a evolução da beleza entre os
humanos é desacreditar da evolução dos seres do passado em relação aos atuais.
A questão de “instintos e sentimentos de delicadeza ou de benevolência”
continua presente no mundo atual, independente da classe socioeconômica
enfocada, bem como as “noções do justo e do injusto”, que independem do
conhecimento intelectual de cada um. Há sábios analfabetos e doutores
ignorantes espalhados pelo mundo.
Redação original:
A força bruta é, entre eles, a única lei. Carentes de indústria
e de invenções, passam a vida na conquista de alimentos.
Redação antirracista:
A força física era, entre eles, uma lei. Sem indústrias e invenções,
como as dos sapiens, passavam a vida na conquista de alimentos.
Meu comentário:
Ainda hoje, observamos que, para
muitos, a força física é lei. Nunca me esqueço da cena presenciada em sala de
aula dum curso de direito, em que o professor, magistrado, ameaçou agredir um
aluno que lhe contestava a nota obtida em avaliação escolar. De que valia,
àquele professor, o conhecimento do direito, se sua inteligência emocional era
a de um brutamontes, como ele o era fisicamente?
Ainda hoje, encontramos pessoas que
passam a vida “na conquista de alimentos”, mesmo nas grandes cidades. Os self-services,
restaurantes e paradas de trânsito estão repletos dessas pessoas, sem nosso
julgamento dos motivos que as levaram a esse estado de carência. Algumas delas,
porém, até mesmo rejeitam o auxílio do poder público. Preferem viver nas ruas,
drogando-se e pedindo...
Redação original:
Deus,
entretanto, a nenhuma de suas criaturas abandona; no
fundo das trevas da inteligência jaz, latente,
a vaga intuição, mais ou menos desenvolvida, de um Ente supremo. Esse
instinto basta para torná-los superiores uns aos
outros e para lhes preparar a ascensão a uma vida mais completa,
porquanto eles não são seres degradados, mas crianças que estão a
crescer.
Redação antirracista:
Deus,
entretanto, a nenhuma de suas criaturas abandona; no
fundo da inteligência jazia, latente, a vaga intuição de um Ente supremo. Esse instinto bastava para se diferirem uns dos outros e para lhes preparar a
ascensão a uma vida mais completa, porquanto eles não eram
seres degradados, mas seres que estavam a crescer.
Meu comentário:
A palavra “crianças” é utilizada por
Kardec no sentido figurado no texto original, como o próprio Jesus a
empregou, ao dizer a seus discípulos que aqueles que não se assemelhassem às
crianças, ou seja, que não apresentassem a pureza momentânea destas, não entrariam
no reino dos céus, que é também a figura do estado feliz reservado aos bons.
Para não ocupar tempo demasiado ao
leitor ou leitora, apenas destaco que os “Espíritas à esquerda”, na minha
opinião, com essa denominação política já começam promovendo o separatismo
entre os espíritas e contrariando o conselho de Allan Kardec para que os
espíritas não adotassem posturas políticas na divulgação doutrinária do Espiritismo.
Como cidadãos, sim, todos temos o
direito de manifestar nossas opiniões e escolher os candidatos que mais estejam
de acordo com o que consideramos melhor para nossa sociedade. No Espiritismo,
porém, não deveriam existir classificações políticas de “esquerda, direita,
centro, comunista, socialista etc.”
Pietro Ubaldi, o grande médium
intuitivo e filósofo italiano, cristão espiritualista, afirmou o seguinte, em A
Grande Síntese, p. 143: “Não se pode agredir a ninguém sem agredir a si mesmo e ao
organismo”, do qual somos partes e, consequentemente, irmãos. Como nos
esclarece o prof. Alexsandro Melo Medeiros (in: Sabedoria
política.com.br), “A teoria social ubaldiana apresenta um sistema que pretende ser universal, sem preconceitos
de casta, nação ou raça e aceita fraternalmente qualquer tipo de crença [...]
desde que sincera e voltada para o bem”. O mesmo podemos dizer de Allan Kardec
e do Espiritismo cristão.
Ora, se dentro duma mesma religião
ou filosofia moral, um grupo opta por combater os que não aceitam seus
posicionamentos políticos e atacam suas lideranças legítimas, esse grupo, na
verdade, está agindo de forma a tentar implodir a crença em comum. Por esse
motivo, lembro a frase lapidar de Ubaldi: “Nem direita, nem esquerda. Nem
capitalismo, nem comunismo. Não haverá verdadeira justiça social enquanto
homens e mulheres não trabalharem em prol da evolução espiritual (individual e
coletiva)”.
Oportunamente, poderei voltar ao
assunto e refutar as demais inserções, a meu ver inoportunas, do e-book
oferecido ao movimento espírita, aos simpatizantes e aos críticos do
Espiritismo, cujo caráter cristão ressalta das obras de Kardec e dos Espíritos
que as complementam, como Emmanuel, André Luiz, Joanna de Ângelis, Maria
Dolores e outros.
Não falta muito para fazerem o mesmo
com as mensagens da Bíblia e dos quatro evangelhos que compõem o Novo
Testamento. E a caridade, onde fica? A caridade com todos os espíritas e
pessoas, independentemente de sua raça, sexo, religião
etc.
Numa de suas viagens, Allan Kardec
afirma aos espíritas que “fora da caridade, não há verdadeiro espírita”, como
se pode ler em Viagem Espírita em 1862 e outras viagens de Allan Kardec,
publicada pela Federação Espírita Brasileira. Reflitamos nisso!
Paz e bem!
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