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terça-feira, 14 de março de 2023

 


O culpado vê culpas

 

Ele, bonacheirão, era amigo de farras,
Tinha esposa, dois filhos, compromissos,
Entretanto, apesar dessas amarras,
Prazeres para ele eram doces feitiços.
Homem robusto e rico sustentava,
Companheiras diversas de alegria,
Qual senhor que somente as percebia
De escrava para escrava.
 
Em certa ocasião,
O nosso cavalheiro,
Dava-se por inteiro
A certo festival de comemorações,
Em cerimônias desdobradas...
Brotavam nas estradas
Palavras e atitudes estragadas,
Era quase a loucura em muita gente...
Dois dias com três noites
De fogos de artifício em céu luzente,
E o nosso amigo usava, instante a instante,
O tempo disponível,
Sem se importar, sequer, com mudanças de nível,
E aparecia sempre acompanhado
Por uma das parceiras
Que trazia de lado...
 
Por fim, depois de longas bebedeiras,
E de extravio deprimente,
Ei-lo, de volta ao lar, dentro da noite alta...
 
Era a terceira noite em que estivera ausente
Entretanto,
Não se sentia em falta...
A esposa era a esposa, a mulher diferente,
Que devia viver, atirada num canto,
Sem direito nenhum de reclamar,
Porque sempre dispunha
Do que fosse preciso para o lar.
 
Ele destranca a porta, de mansinho,
Pé ante pé, segue devagarinho
Para o aposento conjugal...
Mas, avançando, vê que a esposa se debruça
Nos ombros de outro homem,
— Um homem que lhe afaga a cabeleira espessa...
 
Ele sente-se mal
Nas ideias sombrias que o consomem,
O incêndio do ciúme invade-lhe a cabeça,
Saca de bolso oculto um revólver pequeno
E atira sobre os dois, qual se estivesse louco,
Sob a ação de algum veneno...
 
O homem tomba morto, após giro instantâneo,
A bala lhe arrasara os recessos do crânio...
A senhora, porém, está ferida...
O marido aproxima-se, interroga,
Ela, contudo, vê que se lhe esvai a vida,
Perdendo o próprio sangue a lhe vazar do peito;
Tenta, em vão, expressar-se e não encontra o jeito...
Mas colocando as mãos, debalde, sobre o corte
Ela fita no esposo o triste olhar da morte
E responde somente,
Como quem se revela muito dificilmente,
Ao morrer, em seguida a prolongado “ai!”
— O homem que você achou comigo
É mais que amigo,
Era o seu próprio pai.


DOLORES, Maria (Espírito). Coração e vida. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 1. ed. Brasília: FEB; São Paulo: IDEAL, 2022, cap. 29.

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