A FAMÍLIA NA VISÃO
DAS TRÊS REVELAÇÕES DIVINAS
Jorge Leite de Oliveira
Allan Kardec explica-nos que há três Revelações Divinas: a primeira está no Decálogo, recebido por Moisés no monte
Sinai; a segunda é a do Cristo, que não veio destruir a Lei, porém cumpri-la, isto
é, a Lei de Deus, inscrita nos Dez
Mandamentos; e a terceira é a do Espiritismo, que também “não veio destruir
a lei cristã, mas dar-lhe cumprimento”[1].
O Espiritismo, ao contrário das
revelações de Moisés e de Jesus, não está personificado numa só pessoa, mas
sim, nos Espíritos emissários do Cristo, em cumprimento à sua promessa contida
em João, 14:15-17:
Se
me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e Ele
dar-vos-á outro Consolador, para que fique convosco para sempre, o Espírito de
Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; mas vós
o conheceis, porque habita convosco e estará em vós.
Tudo que contém os Dez Mandamentos foi desenvolvido pelas
leis morais de Jesus, que precisou, muitas vezes, usar de alegorias, parábolas
e simbolismos para ser entendido, não segundo a letra, que mata, mas consoante o espírito, que vivifica (Paulo, II
Coríntios, 3:6). Coube ao Espiritismo, terceira e última revelação, esclarecer
o sentido oculto das palavras do Senhor, que presidiu todas as manifestações
mediúnicas, codificadas por Allan Kardec, e foi representado pelo Espírito de
Verdade.
Analisando o que o Decálogo nos expõe, percebemos que todos
nós fazemos parte de uma só família espiritual, que tem Deus por Pai. É
importante não perdermos isso de vista, pois foi dito pelo Cristo à samaritana,
assim como em seu ensinamento da prece Pai
Nosso e, mais claramente, nas palavras do Senhor ressuscitado a Maria Madalena: “Não me detenhas, porque ainda não
subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu
Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (João, 20:17).
Os
Dez Mandamentos, recebidos por Moisés, que o Messias
Divino jamais modificou, são orientações de Nosso Pai Eterno, segundo, Jesus. Entretanto,
o que eram leis mosaicas, “Ele, ao contrário, as modificou profundamente, quer
na substância, quer na forma”[2].
A metade dos dez mandamentos refere-se,
direta ou indiretamente, à família espiritual e humana, a começar pelo primeiro
mandamento, que nos mostra a Paternidade Divina:
I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei do Egito, da casa da
servidão. Não tereis,
diante de mim, outros deuses estrangeiros. Não fareis
imagem esculpida, nem figura alguma do que
está em cima do Céu, nem embaixo na Terra, nem do que quer que esteja nas águas sob a terra. Não os adorareis e não lhes
prestareis culto soberano[3].
Também somos deuses,
confirma Jesus em João, 10:34 o que disse Davi no Salmo, 82:6 “Eu disse: Vós
sois deuses, e vós outros sois todos filhos do Altíssimo”. Assim como o Cristo,
puro em relação a nós, é Filho de Deus, também somos filhos desse Pai
Altíssimo. Nessa condição, temos de amá-Lo sobre
todas as coisas, e nos conscientizarmos de que fazemos parte da família espiritual,
cujo Pai é a “Inteligência Suprema, causa primeira de todas as coisas”[4].
O segundo mandamento de
nosso Pai Eterno a nós, seus filhos, criados para a perfeição, é o seguinte:
“Não pronunciareis em vão o nome do Senhor, vosso Deus”.
Como todo bom filho tem o
dever de respeitar seus pais, jamais lhes fazendo qualquer crítica ou
comentário maldoso, muito maior é o dever de todos nós, filhos de Deus, em
somente pronunciar seu nome com toda a veneração, submissão e amor. A nossa
família é universal e o Amor Divino rege nossas vidas.
Somos filhos do Eterno.
Criados para a imortalidade e a perfeição,
como já a alcançou Jesus, também chamado Filho unigênito de Deus, em relação a
nós, seus irmãos imperfeitos, pelos quais o Cristo vela e trabalha em prol do
aperfeiçoamento. Não somos, portanto, um amontoado de células e neurônios, mas
sim, Espíritos, temporariamente no corpo físico, aos quais Jesus recomenda
fazer brilhar a nossa luz. Para isso, conquistamos o livre-arbítrio, que nos
torna responsáveis por tudo de bom ou de mau que façamos, na Terra ou no Mundo
Espiritual. Não pronunciar em vão o nome de Nosso Pai Eterno é, pois, agir em
consonância com sua Lei e nos esforçarmos para atender ao apelo de seu Enviado
Maior: “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai, que está nos Céus” (Mateus, 5:48).
O quarto mandamento,
terceiro relacionado à família, é uma Advertência Divina diretamente relacionada
ao dever dos filhos para com seus pais: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe, a
fim de viverdes longo tempo na terra que o Senhor vosso Deus vos dará”.
Comenta Allan Kardec que
esse mandamento
[...] é uma consequência da lei geral de caridade e de amor ao
próximo, visto que não pode amar o seu próximo aquele que não ama a seu pai e a
sua mãe, mas o termo honrai encerra
um dever a mais para com eles: o da piedade filial. Deus, dessa forma, quis
mostrar que ao amor se devem juntar o respeito, as atenções, a submissão e a
condescendência, o que implica a obrigação de cumprir-se para com eles, de modo
ainda mais rigoroso, tudo que a caridade ordena em relação ao próximo em geral.
Esse dever se estende naturalmente às pessoas que fazem as vezes de pai e de mãe
[...] [5].
Kardec esclarece-nos ainda de que não é
somente respeitando nossos pais e, sim, assistindo-os em suas necessidades
espirituais e materiais que os honramos. “É sobretudo para com os pais sem
recursos que se demonstra a verdadeira piedade filial” (id., p. 192), mas não
quando se lhes dá o estritamente necessário para que não morram famintos e se
lhes reserva os piores cômodos da casa, enquanto para si os filhos desfrutam do
que há de melhor no lar.
Honrar a seu
pai e a sua mãe não consiste apenas em respeitá-los; é também assisti-los na
necessidade; é proporcionar-lhes repouso na velhice; é cercá-los de cuidados
como eles fizeram conosco na infância. Nossa ingratidão e desprezo aos nossos
pais pode ser punida com os mesmos males que lhes fizermos, ainda mesmo na
existência atual.
Em seguida,
somos informados pelo sábio Codificador do Espiritismo que não cabe aos filhos censurar
seus pais por não serem bons, pois
Se a
lei da caridade manda se pague o mal com o bem, se seja indulgente para as
imperfeições de outrem, se não se diga mal do próximo, se esqueçam e perdoem as
suas faltas, se ame até os inimigos, quão maiores não hão de ser essas
obrigações em relação aos pais! Os filhos devem, pois, tomar como regra de
conduta para com esses últimos todos os preceitos de Jesus relativos ao próximo
e ter em mente que todo procedimento censurável, com relação aos estranhos, é
ainda mais censurável em relação aos pais, e que o que talvez não passe de
simples falta no primeiro caso pode tornar-se um crime, no segundo, porque,
aqui, à falta de caridade se junta a ingratidão [6].
Na época em
que Moisés recebeu os Dez Mandamentos,
“[...] a expressão a fim de viverdes longo tempo na terra que o Senhor vosso
Deus vos dará” era apropriada à terra prometida
por Moisés aos hebreus em fuga do Egito. A linguagem fora adequada àquele povo
inculto e sem noção precisa sobre a vida no mundo espiritual. Quando Jesus
esteve no Mundo, no seio daquele povo, suas ideias já estavam mais claras, o
que permitiu ao Cristo esclarecê-lo sobre a pátria espiritual para onde iremos
todos nós: “Meu Reino não é deste mundo; é lá e não na Terra, que recebereis a
recompensa das vossas boas obras” [7].
Isso porque a verdadeira vida é a espiritual e não a material. O apego às riquezas
do mundo, onde “a traça rói, a ferrugem corrói e o ladrão rouba” custará caro
aos fascinados pelas coisas materiais, pois devemos juntar “tesouros no Céu”,
onde nada disso ocorre, como disse Jesus (Mt 6:19-20).
Na questão 207 d'O livro dos espíritos, Kardec pergunta
se os pais transmitem aos filhos, junto com a semelhança física, a identidade
moral. Em resposta, é-lhe informado que tal não ocorre, pois, o Espírito não
procede do Espírito, como ocorre com o corpo.
Na questão 209, ao ser
perguntado pelo Codificador o porquê de “nem sempre” um Espírito bondoso ser
atraído pelas “boas qualidades dos pais”, Kardec recebe a seguinte resposta: “Um
Espírito mau pode pedir bons pais, na esperança de que seus conselhos o dirijam
por um caminho melhor, e muitas vezes Deus o atende” [8].
Conclui Kardec sobre a existência de
[...]
duas espécies de famílias: as famílias
pelos laços espirituais e as famílias pelos laços corpóreos. As primeiras
são duráveis e se fortalecem pela purificação, perpetuando-se no mundo dos
Espíritos através das várias migrações da alma; as segundas, frágeis como a
matéria, se extinguem com o tempo e muitas vezes se dissolvem moralmente, já na
existência atual [...] [9].
Em longa mensagem n’O evangelho segundo o espiritismo, Santo Agostinho explica-nos que
“A ingratidão é um dos frutos mais imediatos do egoísmo. Revolta sempre os
corações honestos, mas a dos filhos para com os pais apresenta caráter ainda
mais odioso”[10].
O sexto mandamento, a nosso ver,
corresponde à quarta lei divina relacionada à família que, originalmente, dizia
respeito à necessidade de fidelidade mútua entre homem e mulher na constelação familiar: “Não cometereis
adultério” [11]. Ao
lhe ser apresentada “uma mulher apanhada em adultério”, Jesus propôs aos
escribas e fariseus que ameaçavam apedrejá-la, de acordo com lei mosaica, a
atirar a primeira pedra quem dentre eles estivesse sem pecado. Não houve quem
se atrevesse a lapidá-la, mas o Cristo, após dizer à pecadora que não a
condenava, recomendou-lhe ir e não mais
pecar (João, 8:3-11).
Em seu comentário à sentença de Jesus:
Atire-lhe a primeira pedra aquele que estiver sem pecado”, diz Kardec que a
indulgência às faltas alheias é um dever de consciência de cada um de nós,
pois, antes de julgarmos alguém, devemos observar se também nós não estamos
sujeitos à censura por falta semelhante. Entretanto, se a crítica feita a
outrem tem por objetivo “desacreditar a pessoa cujos atos se criticam”, essa
atitude é indesculpável, pois nela só há maldade. O mesmo não ocorre quando o
objetivo é a repressão do mal, quando a censura “pode ser louvável e constitui
mesmo, em certas ocasiões, um dever, porque daí pode resultar um bem e porque,
a não ser assim, jamais o mal seria reprimido na sociedade”. E conclui Kardec:
Jesus
não podia proibir que se censurasse o mal, uma vez que Ele próprio nos deu o
exemplo, tendo-o feito em termos enérgicos. Quis, porém, dizer que a autoridade
para censurar está na razão direta da autoridade moral daquele que censura
[...]. Aos olhos de Deus, a única autoridade legítima é a que se apoia no
exemplo que dá do bem. É o que, igualmente, ressalta das palavras de Jesus [12].
O nono mandamento censura a paixão masculina
em relação à beleza feminina, quando tal arrebatamento do homem viola o direito
do seu semelhante à mulher que ama e com a qual já forma família: “Não desejeis
a mulher do vosso próximo”. É o quinto dos dez mandamentos que dizem respeito à
base familiar, iniciada por nosso Pai eterno: o respeito à união por amor entre
o homem e a mulher, da qual decorre, em regra, a procriação.
Não faltará quem nos critique, alegando
que a lei e os costumes se modificam com o tempo e que, o que se aplicava na
época de Moisés e, mesmo, de Jesus, já não cabe em nosso tempo. Entretanto,
respondemos aos que alegam tais coisas que nos baseamos no que está contido na
Lei Divina, imutável e aplicável a todos os tempos e a todos os países,
conforme assegura Allan Kardec [13].
Ninguém foge à Lei de Deus, pois ela está inscrita na consciência de cada um [14].
Jamais nos esqueçamos de que Jesus revogou as leis temporais mosaicas, mas
manteve fidelidade às Leis eternas de Deus.
Tudo o que foi dito não nos impede de exercitar o
respeito e a tolerância àqueles que pensam diversamente, ainda que nada dissemos
que não possa ser confirmado nas obras das três revelações cristãs, e que
decorre de nossos humildes estudos e esforços em lhes sermos fiéis. Desse modo,
sem sermos coniventes com o que consideramos não fazer parte das Leis imutáveis
de Deus, nosso Pai, Senhor da família universal, mas com todo o respeito aos que
ainda não as aceitam, ou desconhecem, oferecemos aos nossos leitores, para
reflexões finais, a mensagem do Espírito de Verdade: “Espíritas, amai-vos, este
o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo. Todas as verdades
encontram-se no Cristianismo; os erros que nele se enraizaram são de origem
humana. E eis que do Além-Túmulo, que julgáveis o nada, vozes vos conclamam:
“Irmãos! Nada perece. Jesus Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da
impiedade” [15]. O
Espiritismo, Cristianismo redivivo, nos ensina que todos somos irmãos,
independentemente de crenças, e fazemos parte da grande família universal, cujo Pai é Deus.
REFERÊNCIAS
[1] KARDEC, A. O evangelho segundo o espiritismo. 2.
ed. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2017, cap. 1, p. 37- 40.
[2] Id., cap. 1, p. 38.
[3] Id., p. 37.
[4] KARDEC, A. O livro dos espíritos. 4. ed. 4. imp. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. Brasília: FEB, 2017, p. 53, q. 1.
[5] KARDEC,
A. O evangelho segundo o espiritismo.
2. ed. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2017, cap. 14, p. 191.
[6] Id., p. 192.
[7] Id., p.
193.
[8] KARDEC, A. O livro dos espíritos. 4. ed. 4. imp. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. Brasília: FEB, 2017, p. 133- 134.
[9] KARDEC,
A. O evangelho segundo o espiritismo.
2. ed. 4. imp. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2017, cap.
14, it. 8.
[10] Id., cap. 14, it. 9.
[11] Id., cap. 1, p. 38.
[12] Id., cap. 10, it. 13.
[13] KARDEC, A. O evangelho segundo o espiritismo. 2. ed. 4. imp. Trad. Evandro Noleto Bezerra.
Brasília: FEB, 2017, cap. 1, it. 2.
[14] KARDEC, A. O livro dos espíritos. 4. ed. 4. imp. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. Brasília: FEB, 2017, q. 621.
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