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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020




ALLAN KARDEC E A MÚSICA ESPÍRITA
Jorge Leite de Oliveira (Brasília, 20/02/2020.)

As grandes vozes do Céu ressoam como sons de trombetas, e os cânticos dos anjos se lhes associam. Nós vos convidamos, a vós homens, para o divino concerto. Tomai da lira, fazei uníssonas vossas vozes, e que, num hino sagrado, elas se estendam e repercutam de um extremo a outro do Universo (O Espírito de Verdade. In: KARDEC, 2013. Prefácio d’O evangelho segundo o espiritismo).

A música espírita não é somente a que é composta por pessoas encarnadas, como também a que é recebida mediunicamente e que foi composta pelos Espíritos, desde que seu conteúdo esteja de acordo com os princípios da Doutrina Espírita. Tendo em vista seu caráter de revelação cristã, todos os temas do evangelho, à luz do Espiritismo, podem ser abordados pelas composições musicais, quer sejam ou não mediúnicas.
Para melhor compreensão do assunto ao qual se refere o título deste artigo, sugerimos a leitura do tema intitulado Percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos n’O livro dos espíritos, Livro II, cap. VI, onde somos informados de que, no mundo espiritual, o Espírito possui mais percepções do que as manifestadas pelos sentidos físicos. Na questão nº 249 dessa obra, somos informados de que até mesmo aqueles sons imperceptíveis para nós são percebidos pelos Espíritos, que já não têm os sentidos limitados pela matéria. Kardec (2006b), então, pergunta, na questão nº 251 d’O livro dos espíritos, se existe, nos Espíritos, a sensibilidade à música. A resposta é a seguinte:

Referi-vos à vossa música? Que é ela comparada à musica celeste? a esta harmonia de que nada na Terra vos pode dar ideia? Uma está para a outra como o canto do selvagem para uma suave melodia. Não obstante, Espíritos vulgares podem experimentar certo prazer em ouvir a vossa música, por não lhes ser dado ainda compreender outra mais sublime. A música possui infinitos encantos para os Espíritos, em razão de terem muito desenvolvidas as suas qualidades sensitivas. Refiro-me à música celeste, que é tudo o que de mais belo e suave a imaginação espiritual pode conceber.   
            Como podemos perceber, Allan Kardec também apreciava a boa música. Desse modo, ao saber que a percepção dos Espíritos era muito mais ampla do que a nossa, indagou aos Espíritos superiores não somente se os Espíritos possuem sensibilidade à música, como também nos esclareceu sobre a existência de música no mundo espiritual.
            Diz o Codificador do Espiritismo que uma jovem “musicista”, ao ouvir de seu pai a informação sobre a “música celeste”, logo pensou que isso era impossível. Na noite desse dia, a moça recebeu uma comunicação mediúnica confirmando o que está na pergunta 251 de Kardec, acima citada. Explicou-lhe o Espírito que a música celestial é “muito mais bela do que a da Terra”.
            Como a jovem tivesse duvidado de que o Espírito Bellini lhe pudesse aconselhar sobre música, a nova entidade espiritual assegurou-lhe que os sons dos instrumentos terrenos e “as mais belas vozes” eram incapazes de fornecer-lhe “a menor ideia da música celeste e da sua suave harmonia” (KARDEC, 2009, p. 230).
            Em seguida, a moça ficou em êxtase e disse a seu pai, antes de pedir que ele a despertasse: “Oh, papai, papai, que música deliciosa!...” (id.)
            Na Revista Espírita de maio de 1858, Kardec publica, sob o título “Conversas Familiares de Além-Túmulo”, a seguinte conversa com o Espírito Mozart, que afirma estar habitando em Júpiter:

2. O que é melodia? Resp. – Para ti muitas vezes é uma lembrança da vida passada; teu Espírito recorda aquilo que entreviu num mundo melhor. No planeta em que habito – Júpiter – há melodia em toda parte: no murmúrio da água, no crepitar das folhas, no canto do vento; as flores sussurram e cantam; tudo torna os sons melodiosos. Sê bom; conquista esse planeta por tuas virtudes; bem escolheste, cantando a Deus: a música religiosa auxilia a elevação da alma. Como gostaria de vos poder inspirar o desejo de ver esse mundo onde somos tão felizes! Todos somos caridosos; tudo ali é belo e a Natureza é tão admirável! Tudo nos inspira o desejo de estar com Deus. Coragem! Coragem! Acreditai em minha comunicação espírita: sou eu mesmo que aqui me encontro; desfruto do poder de vos dizer o que experimentamos; possa eu vos inspirar bastante o amor ao bem, para vos tornardes dignos desta recompensa, que nada é ao lado de outras a que aspiro! 3. Nossa música é a mesma em outros planetas? Resp. – Não; nenhuma música poderá vos dar uma ideia da música que temos aqui: é divina! Oh! Felicidade! Faz por merecer o gozo de semelhantes harmonias: luta! coragem! Não possuímos instrumentos: os coristas são as plantas e as aves; o pensamento compõe e os ouvintes desfrutam sem audição material, sem o auxílio da palavra, e isso a uma distância incomensurável. Nos mundos superiores isso é ainda mais sublime (KARDEC, 2014, p. 218).

            A Revista Espírita de setembro de 1864, traz curiosas informações sobre o poder calmante e terapêutico da música sobre criminosos, loucos e retardados mentais. Allan Kardec cita artigo da revista musical Siècle, de 21 de junho de 1864, que aborda esses três casos, com excelentes resultados pela influência musical. Ambos foram narrados pelo Sr. de Pontécoulant.
            No primeiro caso, o narrador diz que o diretor de um presídio, em Melun, pessoa distinguida por seu sentimento humanitário, introduziu música nas celas dos condenados. Os detentos de bom comportamento eram selecionados para fazer parte de uma escola de canto. “O efeito foi muito grande sobre o moral desses infelizes. Uma infração dos regulamentos poderia excluí-los da escola, puseram-se de acordo para respeitar as obrigações, que até então desdenhavam” (KARDEC, 2004, p. 348). Aquela era, também, uma oportunidade para eles ouvirem vozes, pois ficavam proibidos de falar enquanto estivessem nas celas.
            No caso seguinte, é narrado que, numa casa de saúde para doentes mentais, um interno era levado a participar de um tratamento com ducha; em consequência disso, debatia-se desesperado e ameaçava os enfermeiros que o conduziam, sem que nada o acalmasse. De repente, ouviu-se uma música, cantada por cantora de outra ala, que enlouquecera, devido a desventuras. Imediatamente, o “louco furioso” parou de debater-se e acalmou-se. Ficou comprovado, desse modo, que a música fazia mais efeito calmante do que as duchas.
            O último exemplo narrado foi o de pessoas que sofriam de grave retardo mental, na época chamadas de idiotas, por terem a inteligência de crianças, mesmo já sendo adultas. Após inúmeras repetições de letras musicais cantadas, aprenderam a cantar. Assim é narrado o efeito da música sobre esses retardados mentais:

Então vocalizaram notas em sua presença, até que as repetissem maquinalmente. Ensinaram-lhes a cantar motivos simples e curtos, que eles repetiam. Agora cantam. Para eles cantar é uma festa. Pelo canto mantêm o domínio sobre eles: é a sua punição ou a sua recompensa; obedecem; têm consciência de suas ações. Ocupam-nos nos mesmos trabalhos. Ei-los a caminho de uma espécie de reabilitação intelectual (KARDEC, 2004, p. 351).

            Na Revista Espírita de janeiro de 1969, Kardec publica uma mensagem do Espírito Rossini, que respondeu à pergunta, feita em 9 de dezembro de 1968, pelo presidente do Grupo Desliens, situado em Paris, sobre o estado atual da música e sobre as modificações que a ela poderia trazer a influência das crenças espíritas". O médium foi o Sr. Desliens e a pergunta, precedida de algumas considerações particulares sobre os músicos, esclarece que a "música celeste" ainda está fora do alcance do espírito humano, que copia, imperfeitamente, do "grande livro da Natureza" suas sublimes harmonias.

Uma dissertação sobre a música celeste!... Quem  poderia encarregar-se disto? Que Espírito sobre-humano poderia fazer vibrar a matéria em uníssono com essa arte encantadora? Que cérebro humano, que Espírito encarnado poderia captar-lhe os matizes, variados ao infinito?... Quem possui a esse ponto o sentimento da harmonia?... Não, o homem não foi feito para tais condições!... Mais tarde!... muito mais tarde!...

Também Léon Denis publica cinco artigos, na Revista Espírita de 1922, fundada por Allan Kardec, que nos oferecem valiosa contribuição sobre a importância da música nos planos espiritual e físico. Esse conteúdo faz parte da obra intitulada O espiritismo na arte, que referenciamos ao final deste artigo. Todos os artigos foram publicados em 1922. Em julho, Denis escreve sobre “a música nas esferas superiores”. Em agosto, trata sobre “O poder terapêutico da arte musical”. Em setembro relata as “apresentações das comunicações do Espírito Massenet. Em outubro, escreve sobre “Ser espiritual: meios de alcançar a esfera musical desejada”. Os temas “A música humana e as notas harmônicas” e “Os sons e as cores” são abordados por Denis em novembro. Por fim, em dezembro, esse grande filósofo espírita relata-nos os seguintes temas: “O Espírito e as sensações harmônicas”, “As fileiras ou correntes de ondas harmônicas” e “A música terrestre e a música do espaço”.
Esclarece Denis que, pela influência da música, todo o nosso “ser fluídico” pode ser levado ao êxtase, levando-nos a experimentar toda uma sensação de alegria, emoção e paz. E acrescenta, sobre a música celestial que:
Por ocasião das grandes festas no espaço, dizem nossos guias espirituais, quando as almas se reúnem aos milhões para prestar homenagem ao Criador, na irradiação de sua fé e de seu amor, delas escapam eflúvios, radiações luminosas, que se colorem de cores combinadas e se convertem em vibrações melodiosas. As cores se transformam em sons e, dessa comunhão dos fluidos, dos pensamentos e dos sentimentos, emana uma sinfonia sublime, à qual respondem os acordes longínquos vindos das esferas, dos astros inumeráveis que povoam a imensidão (DENIS, 2008, cap. VI).

            Também o Espírito André Luiz, na obra Nosso lar, pela psicografia de Chico Xavier, no capítulo 45, esclarece-nos sobre a existência do local chamado Campo da Música, destinado aos mais fascinantes acordes musicais. Encantado com a beleza do lugar e a sublime harmonia dos sons, André ouve os seguintes esclarecimentos do Espírito Lísias:

Nossos orientadores, em harmonia, absorvem raios de inspiração nos planos mais altos, e os grandes compositores terrestres são, por vezes, trazidos às esferas como a nossa, onde recebem algumas expressões melódicas, transmitindo-as, por sua vez, aos ouvidos humanos, adornando os temas recebidos com o gênio que possuem. O universo, André, está cheio de beleza e sublimidade. O facho resplendente e eterno da vida procede originariamente de Deus (XAVIER, 2016, cap. 45, p. 264).

            Ranieri (1970, p. 155), conta-nos que, certo dia, Chico Xavier ouviu, emocionado, em Uberaba, MG, algumas músicas mediúnicas recebidas pelo médium Cabetti (sic), muito conhecido no meio espírita da época, por suas belas composições musicais espíritas. Chico aproveitou o momento para dizer aos amigos presentes que gostava muito das músicas do cantor Roberto Carlos. Ranieri perguntou-lhe, então, o que o Chico achava das músicas modernas. A resposta do grande médium mineiro foi que, “[...] no fim, quem vencerá é o Beethoven mesmo”.
            Em conclusão a esses nossos modestos comentários, acrescento estas palavras de Léon Denis: “Toda a ascensão da vida em direção aos fastígios eternos, todos os esplendores das leis universais se resumem em três palavras: beleza, sabedoria e amor!” (DENIS, 2008, frase final). Ao que acrescenta Kardec (2009, p. 245) o ditado do Espírito Rossini, cuja penúltima frase, que é a seguinte:

Oh! Sim, o Espiritismo terá influência sobre a música! Como não seria assim? Seu advento mudará a arte, depurando-a. Sua fonte é divina, sua força a conduzirá por toda parte onde haja homens para amar, para elevar-se e compreender. Tornar-se-á o ideal e objetivo dos artistas [...].

Referências
CRUZ, Rodrigo Félix. A música na casa espírita. São Paulo: Publicação digital, 2010.
DENIS, Léon. O espiritismo na arte. São Paulo: Ed. LD, 2008.
KARDEC, Allan. O espiritismo em sua expressão mais simples e outros opúsculos de Kardec. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2006a.
______. O livro dos espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Ed. espec. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006b.
______. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 131. ed. (ed. histórica). Brasília: FEB, 2013.
______. Revista Espírita 1858 – Ano I.  Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2014.
______. Revista Espírita 1864 – Ano VII. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
______. Revista Espírita 1869– Ano XII.  Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2005.
______. Obras póstumas. Trad. de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2009.
RANIERI, R. A. Chico Xavier, o santo dos nossos dias. Rio de Janeiro: Eco, 1970.
XAVIER, Francisco Cândido. Nosso lar. Pelo Espírito André Luiz. 64. ed. Brasília: FEB, 2016.
(In: Reformador, revista mensal da FEB - maio de 2017. Adaptações do autor.)


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