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sábado, 26 de junho de 2021

 


16.5 Parábola dos talentos

 

O Senhor age como um homem que, devendo fazer uma longa viagem fora do seu país, chamou os seus servos e lhes entregou seus bens. E tendo dado a um cinco talentos, a outro dois, e a outro um, a cada um segundo a sua capacidade, logo partiu.

Então, o que recebeu cinco talentos foi-se, negociou com eles e ganhou outros cinco. Da mesma sorte, também o que recebeu dois ganhou outros dois. Mas o que havia recebido um, indo-se com ele, cavou na terra e escondeu ali o dinheiro de seu senhor.

Passado longo tempo, o senhor daqueles servos voltou e chamou-os à prestação de contas. E aquele que havia recebido cinco talentos apresentou-lhe outros cinco e lhe disse: — Senhor, você entregou-me cinco talentos; eis aqui outros cinco mais que lucrei.

Seu senhor lhe respondeu: Muito bem, servo bom e fiel; já que você foi fiel nas coisas pequenas, lhe confiarei muitas outras. Entre na alegria do seu senhor.

Aquele que havia recebido dois talentos apresentou-se também e lhe disse: — Senhor, você me entregou dois talentos, e eis aqui outros dois que ganhei com eles. Seu senhor lhe respondeu: — Bem está, servo bom e fiel; já que você foi fiel nas coisas pequenas, lhe confiarei muitas outras; entre na alegria de seu senhor.

O que havia recebido um talento veio também e lhe disse: — Senhor, sei que você é homem duro; que colhe onde não semeou e recolhe onde não espalhou; por isso, como o temia, escondi seu talento na terra; eis aqui o que é seu.

Então seu senhor lhe respondeu: — Servo mau e preguiçoso, se sabia que colho onde não semeei e que recolho onde não tenho espalhado, logo devia dar o meu dinheiro aos banqueiros, e vindo eu, teria recebido com juros o que me pertence.

Tirem-lhe, pois, o talento, e deem-no ao que tem dez talentos. Porque a todos o que têm lhes será dado, e eles terão em abundância; quanto ao que nada tem, será tirado até o que parece ter. E seja esse servo inútil, lançado nas trevas exteriores onde haverá choro e ranger de dentes (Mateus, 25:14- 30).

 

16.6 Utilidade providencial da fortuna

 

Se a riqueza tivesse que ser um obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, como se poderia inferir de certas expressões de Jesus, interpretadas segundo a letra e não conforme o espírito, Deus, que a distribui, teria posto nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem recursos, o que repugna à razão. A riqueza é, sem dúvida, uma prova muito arriscada, mais perigosa que a miséria, em virtude das excitações e das tentações que gera, da fascinação que exerce. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. É o que mais poderosamente liga o homem à Terra e desvia seus pensamentos do Céu. Produz tal vertigem que vemos quase sempre quem passa da miséria à fortuna esquecer-se rapidamente da sua antiga posição, bem como dos seus companheiros, dos que o ajudaram, tornando-se insensível, egoísta e vão. Mas, por tornar o caminho mais difícil, não se segue que o torne impossível, e não possa vir a ser um meio de salvação nas mãos de quem a sabe utilizar, como certos venenos que restabelecem a saúde, quando empregados a propósito e com discernimento.

Quando Jesus disse ao jovem que o interrogava sobre os meios de ganhar a vida eterna: "Desfaça-se de todos os bens, e siga-me", não pretendia estabelecer como princípio absoluto que cada um devesse despojar-se do que possuísse, e que a salvação só se consegue a esse preço, mas mostrar que o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação.

Aquele jovem, com efeito, julgava-se quite com a lei, porque havia observado certos mandamentos, e no entanto recuava à ideia de abandonar seus bens; seu desejo de obter a vida eterna não ia até esse sacrifício.

O que Jesus lhe propunha era uma prova decisiva, para pôr às claras o fundo do seu pensamento. Ele podia, sem dúvida, ser um padrão de homem honesto, segundo o mundo, não prejudicar a ninguém, não maldizer o próximo, não ser vão nem orgulhoso, honrar a seu pai e a sua mãe. Mas não tinha a verdadeira caridade, pois sua virtude não chegava até à abnegação. Eis o que Jesus quis demonstrar. Era uma aplicação do princípio: Fora da caridade não há salvação.

A consequência dessas palavras, tomadas na sua mais rigorosa acepção, seria a abolição da fortuna, como prejudicial à felicidade futura e como fonte de incontáveis males terrenos; e isso seria também a condenação do trabalho que a pode proporcionar. Consequência absurda, que reconduziria o homem à vida selvagem, e que, por isso mesmo, estaria em contradição com a lei do progresso, que é uma lei de Deus.

Se a riqueza é a fonte de muitos males, se excita tantas más paixões, se provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos ater-nos, mas ao homem que dela abusa, como abusa de todos os dons de Deus. Pelo abuso, ele torna pernicioso o que poderia ser-lhe mais útil, o que é uma consequência do estado de inferioridade do mundo terreno. Se a riqueza só tivesse de produzir o mal, Deus não a teria posto na Terra. Cabe ao homem transformá-la em fonte de bem. Se ela não é uma causa imediata do progresso moral, é, sem dúvida, um poderoso elemento do progresso intelectual.

Com efeito, o homem  tem por missão trabalhar pela melhoria material do globo. Deve desbravá-lo, saneá-lo, dispô-lo para um dia receber toda a população que a sua extensão comporta. Para alimentar essa população, que cresce sem cessar, deve aumentar a produção. Se a produção de um país for insuficiente, precisa ir buscá-la fora. Por isso mesmo, as relações de povo a povo tornam-se uma necessidade, e para facilitá-las é forçoso destruir os obstáculos materiais que os separam, tornar mais rápidas as comunicações.

Para trabalhos que são obras dos séculos, o homem teve de extrair materiais das próprias entranhas da terra. Procurou na ciência os meios de executá-los mais rápida e seguramente; mas, para isto, necessita de recursos: a própria necessidade o levou a produzir a riqueza, como o havia feito descobrir a ciência.

A atividade exigida por esses mesmos trabalhos lhe aumenta e desenvolve sua inteligência. Essa inteligência, que ele a princípio concentra na satisfação de suas necessidades materiais, o ajudará mais tarde a compreender as grandes verdades morais. A riqueza, portanto, sendo o primeiro meio de execução, sem ela não haverá grandes trabalhos, nem atividade, nem estímulo, nem pesquisas. É, pois, com razão, que ela é considerada elemento de progresso.

Tradução livre do prof. dr. Jorge Leite de Oliveira - http://lattes.cnpq.br/0494890808150275


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