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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O inolvidável desalento (conto sobre um imbecil) - jlo

Brasília, 14 dez. 2011.

- Vai-te, dizia-lhe ela, desaparece de vez de meu perfil. És um escarmento em minha vida.
- Perdoa-me, amor, minha ofensa a tua alma nobre foi motivada por um lapso lamentável. Uma tibieza inescusável, uma timorata atitude de minha parte para com teu inefável ser. Contudo, amo-te com todas as forças de minha alma. Dá-me, porém, nova chance de demonstrar-te a imensidão de meu afeto. Por ti, serei capaz de mover as nebulosas!
- Não posso perdoar-te, infame! Sabias muito bem que chovia muito naquela tarde e tinhas a obrigação de evitar que a tempestade desabasse sobre mim. Por que não abriste teu guarda-chuva imediatamente, ao saíres do carro, para abrigar-me da intempérie? Por que me deixaste molhar as belas roupas tão meticulosamente escolhidas por minha solícita mãe, com o fito de eu comparecer ao baile de formatura de meu irmão? E pensar que te escolhi como parceiro por te considerar um nobre cavalheiro...
- Querida, jamais olvidarei os maviosos momentos desfrutados a teu lado. Aqueles segundos de tormenta foram um lapso de minha parte, porém asseguro-te: jamais tal descuido repetir-se-á.
- Não penses mais em ver-me, asqueroso verme. Adeus!
- Oh! Minha deusa, meu querubim, minha vida. O universo é pequeno para conter a eloqüência do meu afeto por ti. Trago-te flores, restos arrancados deste amor que nos viu passar unidos e pela eternidade há de estreitar em teu seio o meu afeto incondicional. (Em pensamento: Perdoa-me, Machado de Assis, pela profanação de teu verbo luminescente!)
- O que pensas fazer para reparares tua crassa falta?
- Já fiz, amada minha, já adentrei a farmácia e adquiri duas caixas do mais potente antigripal para curar-te do cruel resfriado causado por minha displicência, quando, estacionado na garagem de teu majestoso lar, não observei que, ainda assim, poderias gripar.
- É verdade, embora a chuva estivesse fora, só de pensar na tempestade molhei-me toda e, consequentemente, resfriei-me e alcancei 40º de hipetermia que me prostrou no leito durante sete dias. Curei-me contudo, com os medicamentos enviados por um anônimo fidalgo, a quem muito agradeci. Eras tu?
- Sim, ternura de minha vida, era eu, o anônimo benfeitor de teu restabelecimento.
- Ainda assim, não resgataste completamente tu deslize moral para comigo. Perdoar-te-ei, todavia, se prometeres atender aos meus mais secretos anseios, aos meus mais esconsos devaneios.
- Oh, amada, tudo o que sonhares será para mim uma ordem. Ser-te-ei o mais submisso dos vassalos. Ordena-me e servir-te-ei incontinenti.
- Muito bem, oscula-me a mão e vai-te para tua casa. Só saia dali quando receberes minhas ordens. Adeus!
Ofereceu-lhe, então, a mão esquerda enluvada, que ele beijou com sofreguidão. Em seguida, retrucou-lhe com extrema subserviência:
- Submeto-me às tuas ordens, ó minha deusa. Adeus!
Tal evento ocorreu há cinquenta anos Nunca mais se viram, e Alcebíades jamais saiu de sua casa, desde então, na rua das Laranjeiras, Catete, Rio de Janeiro.
Dizem que, aos setenta anos, diariamente clama, enlanguescido, por Maria Concebida. Acorda, pede ao mordomo que lhe prepare um banho de sais aromáticos, ordena ao criado que faça as compras, manda a velha cozinheira preparar um banquete, veste-se com as melhores roupas e espera, espera sempre por aquela que nunca o amou. No entanto, ele ainda guarda os traços da beleza, desde jovem e, com a fortuna herdada de seus pais, poderia ter quase todas as mulheres e aventura que quisesse. É ou não é um idiota esse Alcebíades?
E ela, perguntará a leitora inteligente, o que fez de sua vida? Mudou-se de residência e domicilio, casou-se com um advogado famoso, teve dois casais de filhos e nunca mais quis saber do ex-colega de faculdade, cujo único encontro fora o que resultara em seu resfriado e tivera como única demonstração de afeto um ósculo em sua mão esquerda.
Mora com o marido, atualmente senador, numa mansão do Lago Norte, em Brasília, e é dona de uma organização não governamental renomada, que administra com rara eficiência, graças aos conhecimentos adquiridos no curso de Administração de Empresas concluído no Rio de Janeiro.
Outro dia, perguntei-lhe se ainda se recordava de Alcebíades. A resposta foi esta:
- Quem é esse? Nunca ouvi nome tão esdrúxulo! Com tal nome, só pode ser um imbecil.

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