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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A pipa

A pipa (Jorge Leite de Oliveira)

Fonte: Wikipedia. Acesso em 9 de agosto de 2011.





A igreja da Penha, no Rio de Janeiro, Brasil, foi construída há quatro séculos, ou seja, em 1635, pelo capitão Baltazar de Abreu Cardoso, proprietário da quinta onde se situava o penhasco que a sustentava. Fica próxima à entrada que leva a Petrópolis. Havia ali algumas colinas, envolvidas por grande matagal e com uma gigantesca pedra, no cimo de uma delas, onde viria a ser construído o templo católico. Na época, o bairro era muito pouco habitado, o capim e as árvores eram senhores daquele espaço. Havia nascentes, muitos animais selvagens, com predomínio para os passarinhos, lagartos e cobras. A natureza ali era exuberante. A Penha é um bairro de classe média na Zona Norte do Rio de Janeiro e sua ocupação iniciou-se em 1670.

Segundo antiga lenda, em 1635, Baltazar estava junto ao penhasco, quando enorme cobra surgiu a sua frente. Nesse momento, ajoelhou-se, invocou a proteção de Nossa Senhora e viu surgir um grande lagarto, que se atracou com a cobra e, assim, ele pode fugir do lugar em segurança. Em agradecimento, construiu um pequeno templo no alto do penhasco, onde os devotos passaram a ir agradecer à santa graças recebidas e pagar promessas.

Em 1728, foi criada, pela Igreja, a Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha, que assumiu a propriedade da quinta e, muito tempo depois, passou a organizar a festa da Penha, que, até hoje, atrai multidões de romeiros, em especial entre os primeiros domingos de outubro e de novembro. Essa festa foi instituída por D. João VI em 1816. Os 382 degraus que levam à igreja, e não 365, como se acredita, foram construídos por escravos, em cumprimento de uma promessa feita por um casal que não tinha filhos e, após sua oração a Nossa Senhora alcançaram a bênção de um filho. A Igreja é considerada o berço da fé e da cultura cariocas.

Abaixo da igreja, no terreno que passou a pertencer à Igreja Católica, as famílias pobres que imigraram de seus estados para o Rio de Janeiro foram construindo suas singelas casas, dando origem a uma das favelas cariocas. Num domingo de festa da Penha, em 1958, humilde casal subia os seus degraus com seus cinco filhos. Os dois menores chamavam-se Alfredo e Marcos. O primeiro era tratado, carinhosamente, pelos familiares, como Fredinho e tinha sete anos; o segundo, com três anos, recebera o apelido de Marquinhos.

Pois bem, quando a família se encontrava no meio da escadaria da igreja, a linha de uma bela pipa roxa, com um lindo desenho de uma águia, roçou o corpo de Fredinho, que segurou-a, quase em êxtase, e, a pedido de seus pais, arriou a pipa e enrolou sua longa linha e amarrou a ponta final numa lata de óleo vazia, para não perder seu tesouro se a linha escapulisse de sua mão.

“Quando voltarmos para casa eu vou soltar pipa”, disse alegremente a seu irmãozinho. Marquinhos não deixou por menos: “Posso brincar também?” “Claro que pode, mas não arrebenta a linha, ‘tá bom?” “Tá, bom.”, respondeu o outro, sob os olhares sorridentes dos pais e das três irmãs mais velhas que os acompanhavam.

Assistiram à missa, mas o pensamento de Fredinho voava longe, como a linda pipa que iria soltar. E seu irmãozinho ali, ao seu lado, imaginando a hora de também brincar com a pipa...

Terminada a missa, todos voltaram para seu barraco, situado a trinta metros da ladeira que levava à igreja. Enquanto os demais familiares entravam, Fredinho correu para o pequeno quintal da casa, desenrolou a linha, empinou o papagaio de papel e, como o vento soprasse forte, sem dificuldade, viu a pipa subir, subir, subir... E ele soltava a linha com prazer, imaginando o momento em que, terminada esta, ficaria com a lata de óleo na mão, onde amarrara a linha, para não perder o brinquedo. Esquecera do irmão, que, às suas costas, pulava de alegria ao ver o voo do papagaio de papel. E tanto pulou que acabou partindo a linha...

O momento da partida do último fio de linha, que elevava a pipa às alturas, se congelou na retina de Fredinho. E, como a águia estampada nela, a pipa voou, na direção da igreja, até se perder de vista, sob o olhar contemplativo das crianças, e parecia dizer-lhes que voaria novamente sob as escadas da igreja, sua linha iria roçar outro corpinho e fazer seu novo dono feliz por alguns instantes...

Naquele tempo, ainda não se usava cerol, e raramente alguém se machucava com linhas de pipas. Naquele tempo, soltavam-se balões, que eram seguidos por todos os baloeiros e já caíam apagados. Naquele tempo e naquele lugar, podia-se brincar e ser feliz com tão pouca coisa, como uma bola de meia ou uma pipa amarrada a um pedaço de linha.

Brasília, 10 de agosto de 2011.


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