Cantinho da poesia (Atualizado em 15 abr. 2020.)
Os vírus e os velhos (Jorge Leite de Oliveira)
"Deixa-me, fonte!" Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.
Vicente de Carvalho. A flor e a fonte
— Deixem-me, vírus, dizia
A velha, cheia de horror,
E os vírus, que ninguém via,
Reinavam no seu terror.
As correntezas do ar
Ameaçam com Covid
Quem se afasta do seu lar
Pondo em risco a própria vida.
— Deixem-me, deixem-me, vírus,
Dizia o velho a implorar.
Eu nunca vivi no lixo,
E cá não quero ficar.
E os vírus, rápidos, frios,
Qual rosas de Hiroxima,
Diziam, surdos, sombrios:
— Vimos varridos da China...
— Ah! carinho dos meus netos,
Ah! praça do meu jardim,
Caminhos tortos ou retos
Foram vedados a mim...
Gritava a velha e o velhinho,
Sem lágrimas derramarem,
Reclusos no seu quartinho,
Sem filhos para os amarem...
— Nunca mais os deixarei —
Dizia um vírus cruel –,
Ataco mendigo e rei,
Seja na terra ou no céu.
— Deixem-me, deixem-me, vírus,
Não me prendam no meu lar!
E os vírus, insossos, tristes,
Faziam tudo espirrar.
— Viajo por ar e mar,
Provoco espirros e tosses,
Fiquem reclusos no lar,
Pois ataco até nos toques...
— Carícia das brisas leves,
Que abrem visões do luar,
Vírus, vírus, sejam breves,
Deixem-nos sair do lar...
As existências humanas
São breves como suspiros,
Mas nem sempre são serenas
Como as duns velhos com vírus.
Brasília, 08 de abril de 2020.
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