Pai
Nosso
Jorge Leite de Oliveira
Certo dia, um trabalhador espírita que
estava designado para desenvolver o tema intitulado A prece, em centro espírita do interior do Rio de Janeiro, por
motivo de força maior, faltou à atividade. Chamado às pressas para
substituí-lo, nosso amigo Josiel viu-se diante de multidão de espíritos, entre
desencarnados e encarnados. A bem da verdade, encarnados mesmos, só havia cerca
de dez pessoas nesse humilde lugar.
Então, pedindo intimamente a Deus
inspiração, ele começou pela oração do Pai
Nosso, também chamada Oração Dominical,
ensinada por Jesus. Nosso amigo disse: — Estava Jesus orando quando um dos seus
discípulos lhe pediu: "Senhor, ensina-nos a orar". As palavras
sublimes e singelas que o Mestre pronunciou, a seguir, tornaram-se modelo de
concisão e de elevação a Deus para ser pronunciado e refletido por todos os
seguidores do Cristo, conforme consta na questão 625 d’O livro dos espíritos (KARDEC, 2016). Reflitamos no Pai Nosso, que deste modo se inicia:
Pai nossos que estás nos Céus...
Jamais
houve, antes de Jesus Cristo, um profeta que tratasse Deus dessa forma. Os
judeus o consideravam como o poderoso Senhor dos Exércitos, a quem, antes de amar,
deviam temer. Esse Senhor Todo-Poderoso somente estava do lado dos hebreus, a
quem protegia durante os combates contra os outros povos, aos quais chamavam de
gentios, por não adorarem o seu Deus. Em nome deste, invadiam vilas e cidades
e, quando saíam vitoriosos nas guerras sanguinárias, violentavam as mulheres
jovens e crianças, antes de matá-los, assassinavam os idosos e todos os que
sobreviviam aos combates. Em seguida, saqueavam e incendiavam as casas dos
povos derrotados.
Como “violência gera violência”, também
os povos chamados gentios agiam da mesma forma quando saíam vitoriosos nos
combates contra os hebreus. Desse modo, cada um julgava que o seu Deus era mais
poderoso e verdadeiro do que o do seu inimigo. Ninguém jamais havia pensado em
que todos somos irmãos e Deus é nosso Bom Pai.
Em conversa com a Samaritana que tirava
água do poço, a quem Jesus pedira que lhe desse de beber, Ele também
ensinou-lhe que haveria dia em que Deus seria adorado em espírito e em verdade, porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
Mais uma vez, o amoroso Mestre se refere a Deus não somente como Pai, mas como Espírito. Ora, sendo Ele nosso Pai,
somos todos irmãos; e sendo Deus Espírito,
é nesse sentido que somos eternos, a partir de nossa criação, e, como Criador,
Ele é Eterno.
Esse Pai criou todas as coisas, não
somente deste Mundo, como de todo o Universo. Ele é o Espírito que se move
sobre tudo o que existe, desde o verme invisível aos nossos olhos, até as
estrelas mais distantes. Nada em Sua Criação é inútil. Por isso, lembrou-nos o
Mestre que até os fios de nossas cabeças estão contados por Deus.
Imaginem a emoção sentida pela
Samaritana, quando ela dialogou assim com Jesus: “Eu sei que o Messias, que se
chama Cristo, vem; quando Ele vier, anunciar-nos-á tudo". Respondeu-lhe
Jesus: Eu sou, eu que falo contigo”.
Então, Jesus, que é considerado o
“unigênito” de Deus, também nos ensina que Este é também nosso Pai e que deve
ser adorado em Espírito e em Verdade por seus filhos, igualmente Espíritos. O
mais perfeito deles é Jesus de Nazaré, o Messias esperado por tantos séculos e
incompreendido por seu próprio povo na Judeia.
Mas esse Deus não é afeito a guerras e
tampouco elege um povo em detrimento de outro. Ele é a individualização do Pai
Amoroso e Bom, que a todos ama, pois estamos destinados ao progresso, rumo à
perfeição. Criando pela eternidade à fora, o Espírito Divino aproveita todos os
elementos da Criação pela sua Vontade Poderosa e, com eles, forma as nebulosas,
as galáxias, as estrelas, os planetas, os satélites, asteroides e outros corpos
celestes do Universo. Também agrega, em tempo indeterminado por nós, na
Natureza, o elemento espiritual à matéria, formando a gênese de todos os seus
filhos, destinados por Ele à perfeição, no nosso evoluir eterno. Por isso,
recomendou-nos Jesus: “Sede perfeitos, como Vosso Pai que está nos Céus”.
Nossa perfeição, relativa em comparação
com a de nosso Pai, somente será alcançada quando superarmos tudo aquilo que
nos aproxima da animalidade e conquistarmos tudo o que nos eleva à condição dos
Espíritos Superiores. Desse modo, continua assim Jesus a Oração Dominical:
Santificado
seja o Vosso Nome.
Quando alcançarmos a perfeição
relativa, teremos a glória de colaborar com Deus na formação de novos mundos e
na condução de nossos irmãos em estágio primário de evolução espiritual. Esse é
o momento do louvor contrito Àquele que nos criou para evoluirmos, após a
elaboração de nosso ser que se inicia no mineral, passa pelo vegetal,
movimenta-se semiconsciente no animal e desperta, mais ou menos lúcido no ser
humano, até alcançar a plenitude no Espírito Iluminado, que já está em condição
de atender ao apelo de Jesus Cristo: “Assim, resplandeça a vossa luz diante dos
homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está
nos Céus” (Mateus, 5:16). Quanto mais nos aproximarmos dos Espíritos
Superiores, mais perto estaremos de Deus e melhor vibração terá a frase a Ele
dirigida em nossa glorificação: Santificado
seja o Vosso nome.
Venha
a nós, o Vosso Reino...
“O Reino de Deus está dentro de vós” (Lucas,
17:21), disse-nos Jesus. Desse modo, quando pedimos a Deus para que seu Reino
venha a nós, estamos nos colocando na posição do filho, diante do Pai, ao qual
lhe pede a bênção, a fim de que possa ser merecedor da felicidade destinada,
por Ele, a todos os que busquem com fé o Seu Reinado do Amor.
Seja
feita a Vossa Vontade, assim na Terra como nos Céus...
Como filhos submissos, precisamos
entender que, ao pedirmos algo a Deus, Ele nos atenderá conforme o nosso
merecimento. Por isso, devemos dizer-Lhe que nos conformamos, sempre, com a Sua
Vontade, pois Ele sempre saberá decidir o que é melhor para nós. Nesse sentido,
a humildade e o esforço em melhorar são qualidades fundamentais que reforçam
nosso mérito e atendimento diante de nossas necessidades materiais e
espirituais.
Dai-nos
o pão de cada dia.
A pretexto de sermos previdentes quanto
ao futuro, não devemos ser ambiciosos. Precisamos trabalhar em função das
nossas necessidades materiais, mas não com a intenção de amealhar fortunas incalculáveis.
Por isso, aconselha Jesus: “Não junteis tesouros na Terra, onde a traça e a
ferrugem tudo consomem e onde os ladrões minam e roubam. Ajuntai, antes,
tesouros nos Céus, onde nem a traça nem a ferrugem consomem e onde os ladrões
não minam nem roubam” (Mateus, 6:19-21).
Com isso, Jesus não quis dizer que não
devemos prevenirmo-nos em relação ao futuro. Precisamos, sim, providenciar uma
justa aposentadoria para os nossos labores cotidianos, contribuindo todo ano
com um plano previdenciário que esteja de acordo com os nossos rendimentos,
assim como necessitamos envidar todo o esforço para que o resultado de nossos
estudos e trabalhos possa nos trazer bem-estar presente e futuro. Não é,
portanto, isso o que o Cristo condena e, sim, a ganância, a falta de escrúpulos
de algumas pessoas que não titubeiam em lesar o próximo para alcançar seus
objetivos de riqueza material.
Também diz Jesus: “Não vos inquieteis,
pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo”(Mateus,
6:34). É nosso dever esforçarmo-nos por ter à mesa uma refeição substancial, por
possuir um lar confortável, sem os exageros do luxo e os desperdícios de quem
não se preocupa com mais ninguém, a não ser consigo próprio. Porém, não podemos
esquecer que a caridade para com o próximo consiste em repartir com ele o pão
que sobra em nossa mesa e a roupa que não mais usamos e abarrota nossos
armários.
Ainda em Mateus, 7:7 e 8, encontramos
esta recomendação do Cristo: “Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e
abrir-se-vos-á. Porque aquele que pede recebe, e quem busca acha; e ao que bate
abrir-se-lhe-á”. Precisamos, entretanto, entender que tudo, nesta vida, obedece
à lei do merecimento. Deus sempre atenderá os nossos apelos, desde que nos
esforcemos para sermos dignos de sua proteção. Nosso pedido sempre será
atendido no momento oportuno, desde que o mereçamos. A porta sempre se abrirá
àquele que se esforça em entrar por ela sem impedir a entrada de seu irmão.
Perdoai
as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores.
Somente o amor deve prevalecer em nós.
Mágoas, ressentimentos e raiva sempre nos farão mal. Por isso, a uma pergunta
de Pedro sobre quantas vezes ele deveria perdoar seu irmão por uma ofensa
recebida, se sete vezes seriam suficientes, Jesus responde que deveria perdoar
setenta vezes sete vezes. Em sua sabedoria, o Cristo desejou mostrar ao seu
apóstolo a importância do perdão para nos libertar dos sentimentos negativos prejudiciais
citados.
Pela Lei de Causa e Efeito, nada em
nossos pensamentos, palavras e atos deixa de ter consequência boa ou ruim. Portanto,
quando perdoamos nos livramos das influências negativas sem que o nosso ofensor
deixe de sofrer as consequências de seu ato de crueldade. Então, se queremos
ser perdoados do mal que fizermos a outrem, é preciso perdoar e, não somente
isso, fazer todo o bem que nos seja possível a essa pessoa. Para tal propósito,
a regra áurea de Jesus continua atual, como sempre foi e será: “Fazer aos
outros o que desejamos que eles nos façam”, ou seja, fazer-lhes sempre o bem.
O perdão é uma das maiores
demonstrações de nossa humildade e amor que podemos dar a alguém. Somente ama
em plenitude quem tem compaixão para com
o próximo e não se deixa melindrar por nada que ele lhe faça. Esquecer uma
ofensa é difícil, bem o sabemos, mas se nos esforçamos em seguir os passos de
nosso Mestre, que perdoou seus algozes após ser pregado numa cruz infamante,
sem ter cometido qualquer crime, estaremos nos libertando da ignorância e
alcançando a libertação espiritual das influências malignas resultantes dos
sentimentos negativos. Por esse motivo, lembrou-nos o Cristo: “Eu, porém, vos
digo: Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei o bem aos
que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e perseguem, para que sejais
filhos do Pai que está nos Céus [...]” (Mateus, 5:44,45).
E
não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.
Em Mateus, 26:41, recomenda-nos
Jesus: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação [...]”. Precisamos manter
vigilância sobre os nossos pensamentos, palavras e atos.
Sobre os pensamentos, para não
entrarmos em sintonia com influências negativas dos Espíritos que não nos
querem bem. Sobre as palavras, para não falarmos mal de ninguém e também para
somente dizermos o que é bom, útil e verdadeiro. Finalmente, sobre os nossos
atos, a fim de não fazermos nada do que não desejamos nos seja feito. O mal que
ainda se oculta em nós somente será extinto quando aprendermos que a
manifestação da Lei de Deus está em nossa consciência. Não há nada melhor, para
nossa vida, do que viver em paz com a Moral Divina. Buscar ser honesto nas
mínimas coisas, tratar todas as pessoas com gentileza e bondade e esforçar-nos
para fazer o bem, tanto quanto nos seja possível, são roteiros certos para nos
livrar da tentação.
Nos momentos mais difíceis, será a
oração o nosso socorro certo, se nos mantivermos vigilantes e jamais
compactuarmos com o mal. Deus certamente não nos deixará cair em tentação, caso
nos mantenhamos sempre em sintonia com Ele por meio da oração. Como Pai Bom e Amoroso
para com todos os seus filhos, nunca nos faltará Sua Proteção, se o buscarmos com fé nos momentos de oração.
Foi para facilitar nosso momento íntimo
de contato com esse Pai que tanto nos ama que Jesus nos ensinou a Oração Dominical, também chamada de Pai Nosso. Allan Kardec explica-nos que
O
mal não constitui para ninguém uma necessidade fatal e só parece irresistível
aos que nele se comprazem. Desde que temos vontade para o fazer, também podemos
ter a de praticar o bem, pelo que, ó meu Deus, pedimos a tua assistência e a dos
bons Espíritos a fim de resistirmos à tentação (KARDEC, 2015. cap. 28, it. 3).
Assim
seja.
Essa é a tradução da palavra amém. Os espíritas substituem este
vocábulo por aquela expressão, em suas orações. Quando proferimos “assim seja”
estamos nos colocando em situação de quem espera ser atendido, mas também devemos
estar certos de que Deus nos atenderá em conformidade com nossa necessidade
real. Além disso, certamente, todos os nossos pedidos serão satisfeitos por
Esse Pai Amoroso e Bom, mas não podemos esquecer da lei do mérito que concede
“a cada um segundo suas obras”.
Que procuremos agir, portanto, sempre
no bem, com abnegação e devotamento em favor do próximo, como nos ensinam os
bons Espíritos. Desse modo, estaremos nos credenciando para, por nossa vez, ser
auxiliados por nosso Pai Eterno.
E, para finalizar a exposição, Josiel declamou este belo poema do Espírito José
Silvério Horta, psicografado por Chico Xavier (2002, p. 351), intitulado
Oração
Pai
Nosso, que estás nos Céus,
Na
luz dos sóis infinitos,
Pai
de todos os aflitos
Deste
mundo de escarcéus.
Santificado,
Senhor,
Seja
o teu nome sublime,
Que
em todo o Universo exprime
Concórdia,
ternura e amor.
Venha
ao nosso coração
O
teu reino de bondade,
De
paz e de claridade
Na
estrada da redenção.
Cumpra-se
o teu mandamento
Que
não vacila e nem erra
Nos
Céus, como em toda a Terra
De
luta e de sofrimento.
Evita-nos
todo o mal,
Dá-nos
o pão no caminho,
Feito
na luz, no carinho
Do
pão espiritual.
Perdoa-nos,
meu Senhor,
Os
débitos tenebrosos,
De
passados escabrosos,
De
iniquidade e de dor.
Auxilia-nos,
também,
Nos
sentimentos cristãos,
A
amar nossos irmãos
Que
vivem longe do bem.
Com
a proteção de Jesus,
Livra
a nossa alma do erro,
Sobre
o mundo de desterro,
Distante
da vossa luz.
Que
a nossa ideal igreja
Seja
o altar da Caridade,
Onde
se faça a vontade
Do
vosso amor... Assim seja.
REFERÊNCIAS
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 3. imp.
Brasília: FEB, 2016.
______. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed.
6. imp. (Edição Histórica). Brasília: FEB, 2015. cap. 28, it. 3.
XAVIER, Francisco Cândido. Parnaso de além-túmulo. 16. ed. Rio de
Janeiro: FEB, 2002, p. 351.
(Publicado em Reformador, junho de
2017, da Federação Espírita Brasileira. Republico aqui, em 23 de abril de 2020, com
pequenas modificações de forma.)
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