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sexta-feira, 24 de abril de 2020




Pai Nosso

Jorge Leite de Oliveira


Certo dia, um trabalhador espírita que estava designado para desenvolver o tema intitulado A prece, em centro espírita do interior do Rio de Janeiro, por motivo de força maior, faltou à atividade. Chamado às pressas para substituí-lo, nosso amigo Josiel viu-se diante de multidão de espíritos, entre desencarnados e encarnados. A bem da verdade, encarnados mesmos, só havia cerca de dez pessoas nesse humilde lugar.
Então, pedindo intimamente a Deus inspiração, ele começou pela oração do Pai Nosso, também chamada Oração Dominical, ensinada por Jesus. Nosso amigo disse: — Estava Jesus orando quando um dos seus discípulos lhe pediu: "Senhor, ensina-nos a orar". As palavras sublimes e singelas que o Mestre pronunciou, a seguir, tornaram-se modelo de concisão e de elevação a Deus para ser pronunciado e refletido por todos os seguidores do Cristo, conforme consta na questão 625 d’O livro dos espíritos (KARDEC, 2016). Reflitamos no Pai Nosso, que deste modo se inicia:

          Pai nossos que estás nos Céus...
        Jamais houve, antes de Jesus Cristo, um profeta que tratasse Deus dessa forma. Os judeus o consideravam como o poderoso Senhor dos Exércitos, a quem, antes de amar, deviam temer. Esse Senhor Todo-Poderoso somente estava do lado dos hebreus, a quem protegia durante os combates contra os outros povos, aos quais chamavam de gentios, por não adorarem o seu Deus. Em nome deste, invadiam vilas e cidades e, quando saíam vitoriosos nas guerras sanguinárias, violentavam as mulheres jovens e crianças, antes de matá-los, assassinavam os idosos e todos os que sobreviviam aos combates. Em seguida, saqueavam e incendiavam as casas dos povos derrotados.
Como “violência gera violência”, também os povos chamados gentios agiam da mesma forma quando saíam vitoriosos nos combates contra os hebreus. Desse modo, cada um julgava que o seu Deus era mais poderoso e verdadeiro do que o do seu inimigo. Ninguém jamais havia pensado em que todos somos irmãos e Deus é nosso Bom Pai.
Em conversa com a Samaritana que tirava água do poço, a quem Jesus pedira que lhe desse de beber, Ele também ensinou-lhe que haveria dia em que Deus seria adorado em espírito e em verdade, porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Mais uma vez, o amoroso Mestre se refere a Deus não somente como Pai, mas como Espírito. Ora, sendo Ele nosso Pai, somos todos irmãos; e sendo Deus Espírito, é nesse sentido que somos eternos, a partir de nossa criação, e, como Criador, Ele é Eterno.
Esse Pai criou todas as coisas, não somente deste Mundo, como de todo o Universo. Ele é o Espírito que se move sobre tudo o que existe, desde o verme invisível aos nossos olhos, até as estrelas mais distantes. Nada em Sua Criação é inútil. Por isso, lembrou-nos o Mestre que até os fios de nossas cabeças estão contados por Deus.
Imaginem a emoção sentida pela Samaritana, quando ela dialogou assim com Jesus: “Eu sei que o Messias, que se chama Cristo, vem; quando Ele vier, anunciar-nos-á tudo". Respondeu-lhe Jesus: Eu sou, eu que falo contigo”.           
Então, Jesus, que é considerado o “unigênito” de Deus, também nos ensina que Este é também nosso Pai e que deve ser adorado em Espírito e em Verdade por seus filhos, igualmente Espíritos. O mais perfeito deles é Jesus de Nazaré, o Messias esperado por tantos séculos e incompreendido por seu próprio povo na Judeia.
Mas esse Deus não é afeito a guerras e tampouco elege um povo em detrimento de outro. Ele é a individualização do Pai Amoroso e Bom, que a todos ama, pois estamos destinados ao progresso, rumo à perfeição. Criando pela eternidade à fora, o Espírito Divino aproveita todos os elementos da Criação pela sua Vontade Poderosa e, com eles, forma as nebulosas, as galáxias, as estrelas, os planetas, os satélites, asteroides e outros corpos celestes do Universo. Também agrega, em tempo indeterminado por nós, na Natureza, o elemento espiritual à matéria, formando a gênese de todos os seus filhos, destinados por Ele à perfeição, no nosso evoluir eterno. Por isso, recomendou-nos Jesus: “Sede perfeitos, como Vosso Pai que está nos Céus”.
Nossa perfeição, relativa em comparação com a de nosso Pai, somente será alcançada quando superarmos tudo aquilo que nos aproxima da animalidade e conquistarmos tudo o que nos eleva à condição dos Espíritos Superiores. Desse modo, continua assim Jesus a Oração Dominical:

Santificado seja o Vosso Nome.  
Quando alcançarmos a perfeição relativa, teremos a glória de colaborar com Deus na formação de novos mundos e na condução de nossos irmãos em estágio primário de evolução espiritual. Esse é o momento do louvor contrito Àquele que nos criou para evoluirmos, após a elaboração de nosso ser que se inicia no mineral, passa pelo vegetal, movimenta-se semiconsciente no animal e desperta, mais ou menos lúcido no ser humano, até alcançar a plenitude no Espírito Iluminado, que já está em condição de atender ao apelo de Jesus Cristo: “Assim, resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus” (Mateus, 5:16). Quanto mais nos aproximarmos dos Espíritos Superiores, mais perto estaremos de Deus e melhor vibração terá a frase a Ele dirigida em nossa glorificação: Santificado seja o Vosso nome.

Venha a nós, o Vosso Reino...
“O Reino de Deus está dentro de vós” (Lucas, 17:21), disse-nos Jesus. Desse modo, quando pedimos a Deus para que seu Reino venha a nós, estamos nos colocando na posição do filho, diante do Pai, ao qual lhe pede a bênção, a fim de que possa ser merecedor da felicidade destinada, por Ele, a todos os que busquem com fé o Seu Reinado do Amor.

Seja feita a Vossa Vontade, assim na Terra como nos Céus...
Como filhos submissos, precisamos entender que, ao pedirmos algo a Deus, Ele nos atenderá conforme o nosso merecimento. Por isso, devemos dizer-Lhe que nos conformamos, sempre, com a Sua Vontade, pois Ele sempre saberá decidir o que é melhor para nós. Nesse sentido, a humildade e o esforço em melhorar são qualidades fundamentais que reforçam nosso mérito e atendimento diante de nossas necessidades materiais e espirituais.

Dai-nos o pão de cada dia.
A pretexto de sermos previdentes quanto ao futuro, não devemos ser ambiciosos. Precisamos trabalhar em função das nossas necessidades materiais, mas não com a intenção de amealhar fortunas incalculáveis. Por isso, aconselha Jesus: “Não junteis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem e onde os ladrões minam e roubam. Ajuntai, antes, tesouros nos Céus, onde nem a traça nem a ferrugem consomem e onde os ladrões não minam nem roubam” (Mateus, 6:19-21).
Com isso, Jesus não quis dizer que não devemos prevenirmo-nos em relação ao futuro. Precisamos, sim, providenciar uma justa aposentadoria para os nossos labores cotidianos, contribuindo todo ano com um plano previdenciário que esteja de acordo com os nossos rendimentos, assim como necessitamos envidar todo o esforço para que o resultado de nossos estudos e trabalhos possa nos trazer bem-estar presente e futuro. Não é, portanto, isso o que o Cristo condena e, sim, a ganância, a falta de escrúpulos de algumas pessoas que não titubeiam em lesar o próximo para alcançar seus objetivos de riqueza material.
Também diz Jesus: “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo”(Mateus, 6:34). É nosso dever esforçarmo-nos por ter à mesa uma refeição substancial, por possuir um lar confortável, sem os exageros do luxo e os desperdícios de quem não se preocupa com mais ninguém, a não ser consigo próprio. Porém, não podemos esquecer que a caridade para com o próximo consiste em repartir com ele o pão que sobra em nossa mesa e a roupa que não mais usamos e abarrota nossos armários.
Ainda em Mateus, 7:7 e 8, encontramos esta recomendação do Cristo: “Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Porque aquele que pede recebe, e quem busca acha; e ao que bate abrir-se-lhe-á”. Precisamos, entretanto, entender que tudo, nesta vida, obedece à lei do merecimento. Deus sempre atenderá os nossos apelos, desde que nos esforcemos para sermos dignos de sua proteção. Nosso pedido sempre será atendido no momento oportuno, desde que o mereçamos. A porta sempre se abrirá àquele que se esforça em entrar por ela sem impedir a entrada de seu irmão.

Perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores.
Somente o amor deve prevalecer em nós. Mágoas, ressentimentos e raiva sempre nos farão mal. Por isso, a uma pergunta de Pedro sobre quantas vezes ele deveria perdoar seu irmão por uma ofensa recebida, se sete vezes seriam suficientes, Jesus responde que deveria perdoar setenta vezes sete vezes. Em sua sabedoria, o Cristo desejou mostrar ao seu apóstolo a importância do perdão para nos libertar dos sentimentos negativos prejudiciais citados.
Pela Lei de Causa e Efeito, nada em nossos pensamentos, palavras e atos deixa de ter consequência boa ou ruim. Portanto, quando perdoamos nos livramos das influências negativas sem que o nosso ofensor deixe de sofrer as consequências de seu ato de crueldade. Então, se queremos ser perdoados do mal que fizermos a outrem, é preciso perdoar e, não somente isso, fazer todo o bem que nos seja possível a essa pessoa. Para tal propósito, a regra áurea de Jesus continua atual, como sempre foi e será: “Fazer aos outros o que desejamos que eles nos façam”, ou seja, fazer-lhes sempre o bem.
O perdão é uma das maiores demonstrações de nossa humildade e amor que podemos dar a alguém. Somente ama em plenitude quem  tem compaixão para com o próximo e não se deixa melindrar por nada que ele lhe faça. Esquecer uma ofensa é difícil, bem o sabemos, mas se nos esforçamos em seguir os passos de nosso Mestre, que perdoou seus algozes após ser pregado numa cruz infamante, sem ter cometido qualquer crime, estaremos nos libertando da ignorância e alcançando a libertação espiritual das influências malignas resultantes dos sentimentos negativos. Por esse motivo, lembrou-nos o Cristo: “Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e perseguem, para que sejais filhos do Pai que está nos Céus [...]” (Mateus, 5:44,45).

E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.
Em Mateus, 26:41, recomenda-nos Jesus: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação [...]”. Precisamos manter vigilância sobre os nossos pensamentos, palavras e atos.
Sobre os pensamentos, para não entrarmos em sintonia com influências negativas dos Espíritos que não nos querem bem. Sobre as palavras, para não falarmos mal de ninguém e também para somente dizermos o que é bom, útil e verdadeiro. Finalmente, sobre os nossos atos, a fim de não fazermos nada do que não desejamos nos seja feito. O mal que ainda se oculta em nós somente será extinto quando aprendermos que a manifestação da Lei de Deus está em nossa consciência. Não há nada melhor, para nossa vida, do que viver em paz com a Moral Divina. Buscar ser honesto nas mínimas coisas, tratar todas as pessoas com gentileza e bondade e esforçar-nos para fazer o bem, tanto quanto nos seja possível, são roteiros certos para nos livrar da tentação.
Nos momentos mais difíceis, será a oração o nosso socorro certo, se nos mantivermos vigilantes e jamais compactuarmos com o mal. Deus certamente não nos deixará cair em tentação, caso nos mantenhamos sempre em sintonia com Ele por meio da oração. Como Pai Bom e Amoroso para com todos os seus filhos, nunca nos faltará Sua Proteção, se o buscarmos com fé nos momentos de oração.
Foi para facilitar nosso momento íntimo de contato com esse Pai que tanto nos ama que Jesus nos ensinou a Oração Dominical, também chamada de Pai Nosso. Allan Kardec explica-nos que

O mal não constitui para ninguém uma necessidade fatal e só parece irresistível aos que nele se comprazem. Desde que temos vontade para o fazer, também podemos ter a de praticar o bem, pelo que, ó meu Deus, pedimos a tua assistência e a dos bons Espíritos a fim de resistirmos à tentação (KARDEC, 2015. cap. 28, it. 3).

Assim seja.
Essa é a tradução da palavra amém. Os espíritas substituem este vocábulo por aquela expressão, em suas orações. Quando proferimos “assim seja” estamos nos colocando em situação de quem espera ser atendido, mas também devemos estar certos de que Deus nos atenderá em conformidade com nossa necessidade real. Além disso, certamente, todos os nossos pedidos serão satisfeitos por Esse Pai Amoroso e Bom, mas não podemos esquecer da lei do mérito que concede “a cada um segundo suas obras”.
Que procuremos agir, portanto, sempre no bem, com abnegação e devotamento em favor do próximo, como nos ensinam os bons Espíritos. Desse modo, estaremos nos credenciando para, por nossa vez, ser auxiliados por nosso Pai Eterno.
E, para finalizar a exposição, Josiel  declamou este belo poema do Espírito José Silvério Horta, psicografado por Chico Xavier (2002, p. 351), intitulado
Oração

Pai Nosso, que estás nos Céus,
Na luz dos sóis infinitos,
Pai de todos os aflitos
Deste mundo de escarcéus.

Santificado, Senhor,
Seja o teu nome sublime,
Que em todo o Universo exprime
Concórdia, ternura e amor.

Venha ao nosso coração
O teu reino de bondade,
De paz e de claridade
Na estrada da redenção.

Cumpra-se o teu mandamento
Que não vacila e nem erra
Nos Céus, como em toda a Terra
De luta e de sofrimento.

Evita-nos todo o mal,
Dá-nos o pão no caminho,
Feito na luz, no carinho
Do pão espiritual.

Perdoa-nos, meu Senhor,
Os débitos tenebrosos,
De passados escabrosos,
De iniquidade e de dor.

Auxilia-nos, também,
Nos sentimentos cristãos,
A amar nossos irmãos
Que vivem longe do bem.

Com a proteção de Jesus,
Livra a nossa alma do erro,
Sobre o mundo de desterro,
Distante da vossa luz.

Que a nossa ideal igreja
Seja o altar da Caridade,
Onde se faça a vontade
Do vosso amor... Assim seja.

REFERÊNCIAS

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2016.
______. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 6. imp. (Edição Histórica). Brasília: FEB, 2015. cap. 28, it. 3.
XAVIER, Francisco Cândido. Parnaso de além-túmulo. 16. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002, p. 351.

(Publicado em Reformador, junho de 2017, da Federação Espírita Brasileira. Republico aqui, em 23 de abril de 2020, com pequenas modificações de forma.)

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