Com Cristo, não há sombra
sombria
Jorge Leite de Oliveira
Quando criança, entre os
seis e oito anos de idade, tive visões terríveis, que me atormentavam e
produziam muito medo. Aprendi a orar com mamãe e, após profunda súplica de
socorro a Deus, isso nunca mais ocorreu comigo. Na juventude, lembrando
vagamente dessas visões, há cerca de quarenta anos, escrevi o seguinte poema:
A sombra
Pressinto estranho ser junto
de mim.
Soturnamente, avança o
espectro mau
com esgares terríveis de
animal
sedento do meu sangue, do
meu fim.
Os pelos eriçados de terror
falam do meu estado neste
instante
em que o temor se instala,
alucinante,
ante este inusitado
dissabor.
Emite o espelho o espanto do
meu rosto.
Nenhum reflexo de outro
vulto, e um grito
se esboça no meu peito assaz
aflito.
Quero livrar-me breve deste
encosto
e, à tênue luz da Lua, vejo
bem
a sombra de mim mesmo e mais ninguém.
Em Malaquias, Antigo
Testamento (4:5-6), encontramos este “terrível” anúncio: “Eis que vos envio o
profeta Elias, antes que venha o dia grande e terrível do Senhor; e converterá
o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais; para que eu
não venha e fira a terra com maldição”.
Um dos grandes desafios da
Humanidade atual é o da educação. As pessoas estão confusas, perdendo o referencial
semântico tradicional dos conceitos, que estão sendo transformados,
tendenciosamente, em “pré-conceitos”. Tudo o que a cultura antiga considerava
certo e sabido vem sendo questionado, desclassificado e demolido pela
mentalidade da pós-modernidade.
A conduta humana, cada vez
mais voltada para o ter, em detrimento do ser, cultua o materialismo. A
descrença e a hipocrisia grassam em toda a parte. Muitos dos que se dizem
espiritualistas fingem ser o que não são, com o único objetivo de se darem bem.
O oportunismo inconsequente e egoísta, em todo o mundo, prevalece nas intenções
ocultas de grande número de pessoas, graças a uma visão, cada vez mais
hedonista, que não respeita nada, apenas visa desfrutar, das mais variadas
formas, de tudo aquilo que lhes satisfaça aos interesses materiais e às paixões
dos sentidos. É o culto ao prazer e à matéria, como bens supremos a serem
conquistados, não importa como.
O leitor destas linhas
poderia perguntar-nos qual seria a nossa visão desse ser “terrível”, com
poderes de ferir a Terra com maldição, citado acima por Malaquias. Seria Jesus,
o cordeiro manso de Deus? Impossível. A mensagem do Cristo, relatada por João,
e que procuramos despir da letra do simbolismo para a realidade dos dias
atuais, visa justamente dar-nos, em definitivo, segurança, certeza e coragem
nas lutas cotidianas, por tornar conhecido o desconhecido. É o raio de luz de
um novo dia no despertar das consciências sem rumo ou em dúvida sobre o caminho
a seguir, entre tantos apregoados pelos falsos profetas dos dias atuais.
A mensagem de Jesus é a
companhia segura nas horas de aparente solidão, pois quem caminha com o Cristo
jamais se sentirá abandonado. Ainda que o mundo dele se afaste, o Mensageiro
Divino estará a seu lado, orientando seus passos com segurança na caminhada
evolutiva sem fim. E não somente no caminhar o Mestre nos antecederá, mas
também na escalada do monte da elevação, que este é o destino de todos nós.
A mensagem de Jesus é o
equilíbrio mental de quem se encontra no domínio pleno de seus pensamentos,
pois terá sempre presente, nos atos da vida, a recomendação do Mestre da Galileia:
“Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está
pronto, mas a carne é fraca” (Marcos, 14:38).
A mensagem de Jesus é,
portanto, a segurança mental dos que reconhecemos, com Ele, que a origem do mal
está em nós mesmos. E, para que nos livremos dessa tendência, precisamos ter
absoluto controle dos nossos pensamentos. Consequentemente, de nossas palavras
e atos. Nisto está a sabedoria cristã: em reconhecer Deus como nosso Pai e
adorá-lo em Espírito e Verdade; em reconhecer Jesus como caminho que nos
conduzirá a Deus, verdade que nos livrará da ignorância, vida plena que nos
encherá de paz, remédio para nossas mazelas morais, equilíbrio para nosso
organismo psicossomático.
Com a saúde espiritual e
física que nos proporciona o Verbo luminoso – Jesus –, perceberemos que tanto a
Lua como o Sol nos proporcionam sombras amigas. Vultos que não vemos, mas
sentimos estarem presentes conosco, em nossas mentes e corações: o Mestre dos
mestres, que seu apóstolo João nos revela como o Verbo encarnado, que estava
com Deus, cocriador, junto a nosso Pai Celestial, do mundo em que vivemos, e
seus emissários de luz. Veremos, na mensagem mística de João, que o Cristo veio
para nos tirar o véu da ignorância e permanecer conosco até o fim dos tempos.
Esta é a sombra que nos
proporciona a presença de Jesus em nossas vidas: a sombra das boas companhias
espirituais. E a Doutrina Espírita, Consolador enviado por Ele, surgiu no mundo
para nos tirar do medo e da ignorância, afirmando-nos, sem ameaças, sobre a
presença permanente da companhia espiritual. Com Jesus, representado ao nosso
lado pelos Espíritos iluminados, ainda que estejamos em vale escuro, não
temeremos mal algum, pois ao nosso lado estarão as boas companhias, inspirando-nos
pensamentos amigos e paz indescritível.
Se atentarmos para o sublime
objetivo de nossa existência, que é a prática permanente do bem, não teremos de
temer a sombra do mal, pois, com Cristo não há sombra sombria.
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