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domingo, 24 de julho de 2022

 


23.4 Não vim trazer a paz, mas a divisão

 

Não julguem que vim trazer paz à Terra; não vim trazer-lhe paz, mas espada; porque vim separar o homem contra seu pai,  a filha contra sua mãe, a nora contra sua sogra; e o homem terá por  inimigos os de sua casa (Mateus, 10:34-36).

Vim lançar fogo à Terra, e que quero eu, senão que ele se acenda? Devo receber um batismo, e quanto me apresso para que ele se cumpra! Vocês creem que eu vim trazer paz à Terra? Não vim trazer  a paz, mas a divisão. Pois, de agora em diante, se houver cinco pessoas numa casa, elas serão divididas, três contra duas e duas contra três. O pai estará contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a nora contra a sogra (Lucas, 12:49-53).

Foi mesmo Jesus, a personificação da doçura e da bondade, ele que não cessava de pregar o amor ao próximo, quem disse: Eu não vim trazer a paz, mas a espada; vim separar o filho do pai, o esposo da esposa; vim lançar fogo à Terra e tenho pressa que ele se acenda? Essas palavras não estão em flagrante contradição com o seu ensino? Não é  blasfêmia atribuir-lhe a linguagem dum conquistador sanguinário e devastador? Não, não há blasfêmia nem contradição nessas palavras, porque foi ele mesmo quem as pronunciou, e elas atestam a sua elevada sabedoria. Somente a forma, um tanto equívoca, não exprime exatamente seu pensamento, o que provocou alguns enganos quanto ao seu sentido verdadeiro. Tomadas ao pé da letra, elas tenderiam a transformar a sua missão, inteiramente pacífica, numa missão de turbulências e discórdias, consequência absurda, que o bom senso rejeita, pois Jesus não podia contradizer-se (ver cap. 14).

Toda ideia nova encontra forçosamente oposição, e não há uma só que se implantasse sem lutas. Nesses casos, a resistência é sempre proporcional à importância dos resultados previstos, pois quanto maior ela for, maior será o número de interesses ameaçados. Se ela for notoriamente falsa, se a julgam sem consequências, ninguém se alarma, e a deixam passar, certos de sua falta de vitalidade. Mas se ela é verdadeira, se está assentada em bases sólidas, se é possível entrever-lhe o futuro, um secreto pressentimento adverte seus antagonistas de que se trata de um perigo para eles, para a ordem de coisas por cuja manutenção se interessam. E é por isso que se lançam contra ela e seus adeptos. A medida da importância e das consequências de uma ideia nova se encontra, portanto, na emoção que seu aparecimento provoca, pela violência da oposição que desperta, e pela intensidade e a persistência da cólera dos seus adversários.

Jesus vinha proclamar uma doutrina que minava pelas bases os abusos em que viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes do seu tempo. Por isso o fizeram morrer, acreditando matar a ideia matando o homem. Mas a ideia sobreviveu, porque era verdadeira; engrandeceu-se, porque estava nos desígnios de Deus, e, nascida numa pequena vila da Judeia, foi plantar a sua bandeira na própria capital do mundo pagão, em face dos seus inimigos mais encarniçados, daqueles que tinham o maior interesse em combatê-la, porque ela subvertia as crenças seculares, a que muitos se apegavam, mais por interesse do que por convicção. Lá, mais lutas terríveis aguardavam seus apóstolos. As vítimas foram inúmeras, mas a ideia cresceu sempre e saiu triunfante, porque superava, como verdade, suas antecessoras.

Note-se que o Cristianismo apareceu quando o Paganismo declinava, debatendo-se contra as luzes da razão. Ainda o praticavam, formalmente, mas a crença já havia desaparecido de maneira que apenas o interesse pessoal o sustinha. Ora, o interesse é tenaz, não cede nunca à evidência, irrita-se tanto mais, quanto mais peremptórios são os raciocínios que se lhe opõem e que melhor demonstram seu erro. Bem sabe que está errado, mas isso pouco lhe importa, pois não possui a verdadeira fé na alma; o que mais teme é que a luz abra os olhos dos cegos. Esse erro o beneficia, e por isso a ele se apega e o defende.

Sócrates não ensinara também uma doutrina, até certo ponto, semelhante à do Cristo? Por que, então, não prevaleceu, naquela época, no seio de um dos povos mais inteligentes da Terra? É que os tempos ainda não haviam chegado. Ele semeou em terra não lavrada: o Paganismo ainda não havia-se desgastado. Cristo recebeu sua missão providencial no tempo apropriado. Nem todos os homens do seu tempo estavam à altura das ideias cristãs, mas havia entre eles uma aptidão mais geral para assimilá-las, porque já se fazia sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão haviam aberto o caminho e predisposto os espíritos. (Ver na Introdução, item IV: Sócrates e Platão, precursores da ideia cristã e do Espiritismo).

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